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E eu vivi para ver isso

22 de abril de 2018

Ainda escuto o matraquear das máquinas anunciando o jornal do dia seguinte. A redação cheia, repórteres correndo de um lado a outro, cada um cuidando da sua manchete. Do outro lado do corredor, em suntuoso gabinete, o rei Marcone Góes dava chá de cadeira no governador, escolhia a dedo a quem receber para alguma conferência. Teócrito, o superintendente, cuidava dos detalhes da edição que ia às ruas e Barrosinho, ao lado de Zé Cabral, secavam as canelas esbaforidos para encher os espaços comerciais de O Norte e assim garantir o dinheiro do jornal e o da comissão deles.

Marcone descia do opala preto e, segurando o paletó com um dedo da mão, subia a rampa do “palácio” de queixo levantado, andar majestoso, pose de rei.

E o beija mão durava o dia inteiro, entrando pela noite.

Vinha o governador e afagava o ego do diretor. O prefeito chegava em seguida, acompanhado da bancada de vereadores. Os deputados também apareciam, como apareciam o senador da república e o ministro de Estado. Tinha vereador que fazia calo nos dedos de tanto assinar votos de aplausos ao jornal e ao dono do jornal por essa ou por aquela cobertura.

No aniversário de fundação, havia sempre uma sessão especial na Cãmara de Vereadores.E um vereador era sempre destacado para fazer a saudação ao homenageado.

Até que veio a tragédia de 93.

O governador Ronaldo Cunha Lima disparou três vezes contra Burity.

O Correio da Paraíba, concorrente direto, fez a defesa do agressor.Deu ao crime o nome de incidente.

O Norte partiu pra guerra, exigindo a prisão do governador.

O Correio defendia de olho no dinheiro da Secom.

E O Norte acusava com raiva porque não tinha acesso ao que a Secom dava ao Correio.

Apareceu a proposta: Damos tanto pelo seu silêncio. Marcone topou.A proposta e a reunião para pagamento foram gravados pelo proponente,que depois  encaminhou tudo ao todo poderoso comandante dos Diários Associados.

Marcone dançou.

Outros diretores foram designados para o lugar de Góes, todos querendo o mesmo luxo usufruído pelo que caiu em desgraça.

O jornal começou a gastar mais do que ganhava.

Até que, finalmente, foi decretada a sua morte.

O Norte virou lembrança, lembrança triste. Os seus arquivos estão hoje relegados, abandonados, jogados numa sala fria da Universidade Federal da Paraíba, mofando.

Transformou-se nisso que a fotografia mostra.

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5 Comentários

  • Reply cicero de lima e sousa 22 de abril de 2018 at 07:01

    Nessa fase, lá também estavam: O saudoso PEDRO MOREIRA, FERNANDO WALAC, ZÉ DE SOUSA, ANACLETO REINALDO, CHICO PINTO,MARCONE CABRAL e tantos outros, inclusive VOCÊ, velho TIÃO.

  • Reply Frederico 22 de abril de 2018 at 07:34

    Eee..o tempo e as escolhas erradas podem acabar com tudo.

  • Reply Mercia de Fatima 22 de abril de 2018 at 10:53

    Lembro que em 1976 o companheiro de uma professora minha da universidade, muito ligado as comunicações nos levou para uma visita no jornal O Norte, muito empolgado nos dizia esse jornal tem a melhor diagramaçao dos jornais do nordeste e ele vivia no Recife era de la e nos levou a essa visita, não eramos nem alunos de comunicação. Essa reportagem me levou a esse tempo e a pensar , nós de fora desses meios há muito somos tão manipulados, uma pena que exista nos meios de comunicação corrupção e há tanto tempo. Mexem com uma coisa tão nobre, a consciencia das pepessoa .Uma pena mesmo, não temos ideia do que acontece nos bastidores. Será que um dia teremos um país melhor? Aonde quer que vamos damos de cara com realudade triste.

  • Reply Umbelina 22 de abril de 2018 at 14:14

    Ciço Lima nasceu no Poço Doce.

  • Reply Arael M. da Costa 24 de abril de 2018 at 11:21

    Pena que esse triste fim tenha atingido, bem antes, A União, que chegou a ser cognominada – você deve lembrar, pois ainda a alcançou com uma certa pujança, de Universidade do Jornalismo.
    Recorde tempos idos em que por lá pontuavam Dorgival Terceiro Neto, José Barbosa Souza Lima, Luiz Gonzaga Rodrigues, Adalberto Barreto, Linduarte Noronha, Hélio Zenaide, Malaquias Batista e uma miuçalha que nos juntava todos em um mesmo balaio, embora neste estivesse o fino cronista cinematográfico Antônio Barreto Neto.
    Vale lembrar as aulas-exemplo de fotojornalismo do “Papa” Rafael Mororó, que teve um discípulo do quilate do Manoel Clemente, que se fez cinegrafista da melhor estirpe com o trabalho que fez no filme “Menino de Engenho”.
    Lembremos, também, colunistas como Carlos Romero, Virginius da Gama e Melo, Aurélio de Albuquerque, Osias Gomes e muitos outros que a memória já não lembra com eficiência.
    Foram tempos idos, dos quais já não se lembra nem mais a sua sede, aquele majestoso edifício da Praça João Pessoa, trocado pela modernosa sede da Assembleia Legislativa, que hoje bem poderia estar funcionando em uma garagem do Beco do Zumbi.

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