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MPF move ação para que Prefeitura de João Pessoa paralise obras no Porto do Capim 

1 de agosto de 2019

Objetivo é que cessem quaisquer atividades decorrentes das obras do Parque Ecológico Sanhauá

O Ministério Público Federal (MPF) em João Pessoa ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para que a Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) paralise as obras do Parque Ecológico Sanhauá na área onde está situada a comunidade tradicional ribeirinha Porto do Capim, incluída a Vila Nassau, no Centro Histórico da capital paraibana. O MPF também pede a fixação de multa diária no valor de R$ 50 mil para caso de descumprimento da determinação judicial, além de outras medidas porventura necessárias ao cumprimento da decisão proferida. A ação, assinada pelo procurador da República Tiago Misael, foi ajuizada nesta quarta-feira, 31 de julho de 2019.

O pedido urgente de paralisação das obras decorre da não observância, por parte da prefeitura, do direito da comunidade tradicional ribeirinha Porto do Capim de permanecer no local onde se encontra instalada há mais de setenta anos, e também em razão da prefeitura não possuir autorização ou cessão da área onde executa a intervenção, conforme informado pela Superintendência do Patrimônio da União (SPU) ao MPF.

As ações de intervenção da PMJP atingidas pelo pedido de tutela provisória de urgência do Ministério Público Federal decorrem de duas obras de grandes impactos socioambientais, orçadas em conjunto em mais de R$ 30 milhões, com recursos provenientes do Termo de Compromisso nº 0.424.013.15-Iphan/PAC-Cidades Históricas/Revitalização do Antigo Porto do Capim, no valor total de R$ 16.185.000,00, e do Termo de Compromisso nº 0.424.015-34-Iphan/PAC-Cidades Históricas/Revitalização do Rio Sanhauá, no valor total de R$ 15.120.000,00.

Transtornos diários – Para o MPF, a urgência do pedido ainda se justifica pelo fato da própria PMJP reconhecer que já iniciou a intervenção na área onde se encontra a comunidade do Porto do Capim, sobretudo na subárea denominada Vila Nassau, o que foi atestado, inclusive com violações à dignidade das pessoas, pela Defensoria Pública da União (DPU) em relatório social elaborado após as primeiras demolições realizadas pela prefeitura na localidade.

Conforme consta na ação ajuizada, “os embates diários entre a comunidade tradicional Porto do Capim e os agentes públicos da PMJP fazem parte diuturnamente dos noticiários televisivos da capital paraibana”. A imprensa tem mostrado que diversas diligências vêm sendo executadas por agentes da prefeitura com o objetivo de possibilitar a execução das obras, “ainda que para isso haja o esfacelamento da comunidade tradicional ribeirinha Porto do Capim”, alerta o MPF na ação, relembrando que, em março de 2019, a PMJP notificou 162 famílias moradoras da área de intervenção para que deixassem suas residências no prazo exíguo de 48 horas, fato que iniciou o clima de tensão entre os membros da comunidade tradicional.

Para o Ministério Público, é evidente que a estratégia da prefeitura de obrigar os moradores a saírem de suas residências e assim poder intervir na área, “está direcionada a causar transtornos na vida, outrora tranquila e pacífica, da comunidade tradicional do Porto do Capim. Para tanto, agentes municipais diariamente ameaçam os moradores de que as ruas (logradouros) estão para serem abertas, ou seja, segundo as ameaças, serão criadas valas e morros que impedirão as pessoas de entrarem e saírem de suas casas”, denuncia o órgão.

Tradicionalidade – O MPF atua no caso desde 2015, através do inquérito civil nº 1.24.000.001117/2015-16, instaurado para acompanhar a pretensão de intervenção da PMJP na área onde a comunidade tradicional ribeirinha Porto do Capim está instalada. O inquérito teve início a partir do “Relatório de Violações aos Direitos Humanos no Processo de Implantação do PAC – Cidades Históricas e PAC – Sanhauá na Comunidade do Porto do Capim”, elaborado em 2014, pelo Centro de Referência em Direitos Humanos do Departamento de Ciências Jurídicas, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Estudos e laudos antropológicos anexados ao inquérito no decorrer da apuração atestam a tradicionalidade da comunidade ribeirinha. É o caso do relatório de 2014 da UFPB, segundo o qual “ao longo das últimas sete décadas a comunidade se consolidou e se enraizou, mantendo um forte vínculo cultural com o rio e com o mangue, seja por meio das atividades de pesca e de lazer, seja perpetuando os rituais religiosos e festivos que acontecem no local”. A universidade registra, inclusive, que o mangue voltou a existir na área depois que a comunidade se instalou no local que antes “havia sido literalmente devastado para atender às necessidades do porto”.

Servidores do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na Paraíba produziram o dossiê “Proposta de Requalificação das Áreas Urbanas do Porto do Capim e da Vila Nassau, no qual registraram que “desde a década de 1940, o Porto do Capim passou a ser ocupado predominantemente por grupos de pescadores que habitavam naquelas proximidades”.

O dossiê do Iphan também constata que “poucas áreas de João Pessoa concentram em um mesmo espaço tanta vida, tanta história e diversidade cultural como o Porto do Capim e a Vila Nassau” e descreve o que os técnicos do instituto observaram na comunidade tradicional: “Com sua convivência diária junto do rio, suas lorotas de pescador, seus pastores evangélicos de voz forte e bíblia na mão, seu artesanato de biscuí, seu comércio miúdo, de dose de cachaça, de quilo de arroz, de saco de pão, o cotidiano desses moradores oferece, sem exigir nada em troca, mais beleza à paisagem do centro histórico da capital paraibana, tombado em 2007 como Patrimônio Cultural do Brasil”.

Resultado das atividades de um grupo de trabalho instituído em março de 2012, o dossiê do Iphan já trazia o alerta de que “o Projeto de Revitalização existente propõe a retirada da população do Porto do Capim e da Vila Nassau de suas residências e estabelecimentos comerciais e remoção para outro local da cidade”.

Proteção constitucional – Conforme o MPF indica na ação ajuizada, as comunidades tradicionais são protegidas pelo ordenamento jurídico brasileiro que internalizou, em 2004, a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre Povos Indígenas e Tribais. Conforme o artigo 14 da Convenção 169 da OIT, os governos devem adotar as medidas necessárias para garantir a proteção efetiva dos direitos de propriedade e posse das comunidades tradicionais sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

Já o artigo 7º da Convenção 169 prevê que os povos interessados devem ter “o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente”. A comunidade do Porto do Capim teve esse direito violado.

Ação Civil Pública nº 0809683-26.2019.4.05.8200

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1 Comentário

  • Reply Angela 2 de agosto de 2019 at 09:30

    Medida louvável! Pena que demoraram tanto tempo.

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