Miguel Lucena
Dizem por aí — e quando o povo diz, é quase ata notarial — que a mulher casada andava se demorando demais na igreja. O marido, que não era santo, mas desconfiado feito São Tomé, resolveu seguir a esposa um dia desses.
Lá foi ela, suada de tanto varrer e lustrar os bancos, em direção à sacristia. Ele, atrás, pisando leve como quem entra em território sagrado. De repente, ouviu o barulho d’água correndo e o tilintar de algum sabonete caindo no chão. O coração do homem bateu mais forte — não pela fé, mas pelo ciúme.
Abriu a porta de supetão, preparado para um exorcismo conjugal, e deu de cara com a esposa enrolada numa toalha improvisada, jurando inocência:
— Vim só tomar um banhozinho, que tô toda suada de limpar o altar!
E quem sou eu pra duvidar? Não há prova de pecado algum. A igreja estava mesmo reluzente, e a pobre mulher, pingando honestidade pelos poros. Se havia vapor demais, talvez fosse um espírito arteiro em forma de névoa.
No mais, é como diz o povo: quem limpa a casa de Deus tem direito até a se refrescar um pouquinho. E se o padre apareceu depois, deve ter sido só pra benzer a água. Afinal, nem todo banho na sacristia é batismo — mas esse, pelo menos, purificou muita fofoca.
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