opinião

Jairo do Couro e a última chifrada

23 de abril de 2025

Miguel Lucena

Foi no leito de morte, estendido feito tatu na estrada, após levar um coice certeiro da mula Ritinha — a mais braba dos arredores de Princesa — que o ex-vereador Jairo do Couro mostrou que língua de víbora sobrevive até quando o corpo fraqueja. Com o maxilar deslocado e o peito arrombado de tanto praguejar, ainda achou fôlego para destilar seu último estoque de veneno.

— Padre Cirilo só anda de batina porque é fresco e quer liberdade na coivara… — sibilava, cuspindo sangue e maldade, enquanto o povo se aglomerava ao redor da rede de varandas, entre comovido e curioso. — E o Papa, que devia ser santo, protege esse comunista comedor de casadas!

Dona Francisca, a mulher, segurava um terço e o choro:

— Arrependa-se, homem! Vai morrer difamando o representante de Deus na terra?

— Deus é grande, mas não sabe com quem casou… — resmungou ele, com um riso torto que parecia misto de dor e desdém.

Diz-se que Frei Cirilo apareceu depois, de olhos baixos e um silêncio manso, como quem já havia perdoado muito antes. Rezou uma última bênção, mesmo sob o risco de ouvir outra piada de fundo de cova. Jairo do Couro morreu sem confissão, mas com a glória de um deboche final que, para alguns, já era sinal do calor do lugar para onde ia.

E Ritinha, a mula, pastava tranquila, heroína involuntária de uma história que virou folclore no sertão da Paraíba.

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