
Flávio César Pereira e Silva
Certa vez, um primo — paraibano, intelectual, Otávio Augusto Sitônio, já falecido —disse-me com firmeza, como quem crava um veredito: “Não existe ‘se histórico’.”
Ele respondia à minha inquietação sobre a Revolução de 30: — E se João Pessoa não tivesse tombado na Confeitaria Glória, cravado por João Dantas na Recife escaldante?
Teria a Aliança Liberal fôlego para o levante? Teria Getúlio, vencido nas urnas, sido erguido do pó? Lembrei da revista Superinteressante e suas linhas de tempo alternativas:
— E se a Alemanha vencesse a guerra? E se a Coroa não fugisse do Império Francês? E se a América do Sul se unisse em um só coração?
Esses pensamentos voltaram na última semana, como vento miúdo cruzando a mente em dias densos e cinzentos, marcados por momentos fora do habitual.
Na noite de 11 de junho, um telefonema rasgou o silêncio: meu primo, o mais velho dos Pereira, filho do irmão mais velho do meu pai, falecera. Disseram: parece que foi infarto —
rápido, súbito.
O pouco convívio com ele — e com quem me informou — minguou os detalhes.
No meio do trabalho, entre um atendimento e outro, os sentimentos vinham em ondas, sem, no entanto, se sedimentarem em algum predominante.
Ricardo (meu primo) tinha quinze anos a mais do que eu, praticamente a mesma diferença entre meu pai e tio Zezito (seu pai) — homens firmes, de presença densa.
O convívio foi breve, mas marcou, como vento forte sobre a areia.
Fiquei tomado por lembranças, quando, três dias depois, um filme me achou — algoritmo ou destino? Procurando Sugar Man contava sobre Rodriguez, voz doce, alma folk,
apagado na América, brilhando, sem saber, na África do Sul, graças à pirataria. Lenda onde nunca esteve, ídolo onde nunca sonhou ser. De Detroit ao delírio africano,
um Dylan ignorado pelo mundo.
E então, entre recordações e canções, a pergunta retornou: E se…?
Talvez o “se histórico” seja ilusão —
mas o “se da vida”
é rio de mil braços.
Cada gesto, cada silêncio,
cada bifurcação no tempo
é um novo enredo.
E se eu tivesse convivido mais com meu primo?
E se Rodriguez jamais tivesse sido descoberto?
A vida dança no que não foi,
e, no fundo,
tudo permanece possível —
até quando parece
fim.
Sem Comentários