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A doce Maciel Pinheiro

24 de fevereiro de 2019

Um passeio pela parte velha de João pessoa em plena manhã de domingo pode representar uma volta ao passado e o surgimento de um turbilhão de saudades até mesmo para quem não viveu nos tempos de antigamente. E se o passeio for pela velha Maciel Pinheiro de tantas aventuras e travessuras, então pode ter certeza de que a saudade bate dentro do peito e o um nó misterioso surge na garganta.

Foi num desses domingos que avistei aquele senhor de cabelos brancos, ombros meio arreados, olhar perdido nas cumieiras dos casarões. Olhava os sobrados velhos como se quisesse desenterrar os fantasmas que o progresso engoliu, as quengas bem vestidas que satisfaziam as vontades dos abastados e dos menos afortunados, porque quenga de antigamente não se julgava nem discriminava os lisos.

Nem precisei puxar conversa. Ele próprio começou a falar como se me conhecesse dos velhos tempos.

-Aquela era a casa de Hosana, a mais famosa e mais elegante de todas as raparigas. Ali só entrava quem tivesse bom guardado. Só tinha vez de desembargador pra cima. Usineiro tinha dinheiro, mas precisava tomar banho para se achegar a uma das meninas. E que meninas! Vestiam longos, renovavam os guarda-roupas todos os sábados e sabiam dançar as valsas que Dedé, no saxofone, tocava durante as tertúlias.

Foi nessa casa que o jovem Sabino Ramalho, depois de receber gorda mesada dos pais, chegou acompanhado do primo Euclides Dias de Sá e, após entrarem, foram abordados por uma orgulhosa Hosana:

-Vocês querem o que?

-A gente quer se confessar. O padre já chegou? – respondeu um Euclides abusado e com cara de rico.

O mais assíduo freqüentador de Hosana era o desembargador Júlio Rique. Ficou famosa a festa de seu aniversário, realizada ali, reunindo a fina flor masculina da sociedade pessoense. Todos de ternos impecavelmente engomados, tomando uísque depositado nas toalhas brancas de algodão, uma cadeira colocada no centro do salão para receber o aniversariante. Eis, finalmente, que adentra ao local o desembargador, trajando cueca samba canção e paletó de diagonal branco. Sobe na cadeira e, emocionado, discursa:

-Raparigal da minha terra!

Depois de Hosana, visitava-se Lourdinha da Royal, Laura, o Night Cassino e Antonina, que não perdiam em elegäncia, animação e belas mulheres para Hosana. Foi em Antonina que Oscar, um sertanejo de Santana dos Garrotes que vivia por aqui estudando, se encontrava em companhia de uma bela moça, quando na mesa ao lado sentou-se um usineiro. O tal, que trazia consigo um capanga confiou no poder do dinheiro e começou a chamar a companheira de Oscar para sua mesa. Diante da insistência, Oscar perguntou se a moça queria ir. Como ela disse que não, foi até lá e pediu respeito. O jovem usineiro levantou-se querendo briga e Oscar o fez sentar-se com três tiros de bereta no peito, para nunca mais se levantar.

No Night Cassino a principal atração, tirando as meninas, era o saudoso coronel Belmont, que tocava sax para animar a festa.

O cabaré da Maciel Pinheiro era tão forte que se rebelou contra o então governador Zé Américo, por ter ele determinado, em 1954, o fechamento da zona depois da meia noite. E não foram só as putas que comandaram a revolta. Figurões da sociedade portaram bandeiras e estandartes, até que o sisudo Zé revogou o seu ato.

A CURVA 

Naquela época, o principal transporte da zona para os bairros era o bonde. E foi nesse bonde que o gaiato Zé de Ivo, que se dirigia a Cruz das Armas, ouviu o motoneiro gritar “Olha a curva!” e viu todo mundo se levantar. Decidiu que, no dia seguinte, quando o grito saísse e todos se levantassem, permaneceria sentado.

Dito e feito. Na curva que existia perto do quartel do 15, o motoneiro gritou, o povo se levantou e ele, o gaiato Zé de Ivo, permaneceu sentado. Foi mais ou menos assim:

-Olha a curva!

-Ai meus ovos! – gritou Zé, sentado no seu canto, ouvindo de lá o motoneiro dar o aviso:

-Agora se agüente até terminar a curva.

Zé soube depois, enquanto botava os ovos inchados numa bacia de gelo, que o motoneiro gritava pela curva para que o povo se levantasse e não tivesse os pissuidos presos pelas tábuas dos bancos, que se comprimiam e somente se abriam quando o bonde deixava para trás a inclinação.

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3 Comentários

  • Reply Cavalcanti 24 de fevereiro de 2019 at 13:36

    Eita que saudade de Hosana, Laura, Ney York, do restaurante de Marlene (viado valente) cujo carro chefe era o churrasco e o cozinheiro era Pedrinho e finalmente do restauranteu tabajaras e que agente comia bem tanto no térreo como no primeiro andar

  • Reply cicero de lima e sousa 24 de fevereiro de 2019 at 19:24

    E a morena Vilma, lá de Normélia?
    Alta, cabelos pretos, lábios grossos e saborosos que pareciam mel
    Foi com ela que gastei o dinheiro de um FUSCÃO FAFÁ DE BELÉM.
    Não me arrependo, Tião, gastei e até hoje sou satisfeito.

  • Reply UMBELINA 25 de fevereiro de 2019 at 07:38

    Ciço nasceu no Poço Doce ou foi na Santa Rosa ? Foi assessor para assuntos lunáticos do finado Elias Monteiro.

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