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A NECRÓPSIA DE UMA VIRGEM.

25 de fevereiro de 2019

Marcelo Piancó

Olha que não vou falar nem de espólio, mas o que fizeram com as Virgens de Tambaú ontem foi abominável, foi cruel e melancólico. E sentencio desde já, ninguém vai querer essa herança maldita. Fiquei de casa com lentes de zoom, olhos de Arapuan e ouvidos de Doberman. A primeira dor foi no miocárdio do poeta ao ver o desprezo pelo hino do bloco, mas esse desprezo me deu uma espécie de orgulho que acredito será bem compartilhado pelo parceiro Wilmar.

Gostei (acredito que Wilmar também) de termos ficado de fora da maioria das plays lists dos trios, para mim foi praticamente uma homenagem póstuma, e estas é que são as boas homenagens, principalmente quando se é esquecido por quem você já não sente mais nada.

Afinal o quê uma marcha que ganhou ares de frevo rasgado sob o genial arranjo do Maestro Chiquito estaria fazendo entre tanto funk? Nada contra o ritmo que junta multidões de pessoas ávidas por “loopings” de letra e som, mas nossa marchinha nunca tocou num baile de favela. Na ótica do ex-folia de rua, data vênia, mas com bola e tudo entraram com toda pressão no nosso bloco que já foi sexy sem ser vulgar. O que começou como uma brincadeira e foi crescendo, crescendo e lhe absorvendo, agora foi descendo até o chão até ser executado num ataque de “frevofobia”. O bloco que outrora padecia da poesia de Caymmi e morria docemente no mar, hoje em dia sente o pancadão de ser assassinado em plena vila folia e isso é de uma tristeza momesca, é de chocar a Colombina que assistiu o Pierrot matar o Arlequim num ataque homofóbico.

As Muriçocas sentiram o odor do inseticida que toma conta da rua e voaram em retirada numa nuvem de sobrevivência em direção as origens, os atletas continuam na marcha entre a pipoca e o cabo de guerra do isolamento. Será que ninguém desconfia que estão chamando assim, vumbora pro banho de cheiro do queijo? O mais triste de tudo é que ainda tem gente que se refestela com os regalos deste formidável enterro. Gente que tem orgulho deste crime hedonista. Essa gente tem as mãos sujas de funk e no rosto, um sorriso geométrico que só sabe quantos dentes se refletem em cada lado da moeda. Morrer virgem é triste, mas nada se compara a ser assassinado em plena folia, na rua e de tomara que caia.

Marcelo Piancó – Compositor do Hino em parceria com Wilmar Bandeira, ambos fundadores do bloco.

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1 Comentário

  • Reply Marcelo Piancó 25 de fevereiro de 2019 at 16:01

    Mestre Tião, muito obrigado pelo valioso espaço, mas digo que fiquei muito triste por ter que escrever esse texto. Dura realidade do nosso pré-carnaval que se encontra em decúbito dorsal.

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