Memórias

A peruca de Franto Júnior

17 de janeiro de 2021

Quando entrei para a bancada de imprensa da Assembleia, em 1978, os setoristas dispunham de um Comitê que funcionava no primeiro andar. Era uma ampla sala, com dois birôs, algumas cadeiras, uma confortável poltrona e um banheiro.

Ali, os jornalistas davam flashes para as emissoras do interior e redigiam, nas velhas olivetes, as matérias que mais tarde seriam entregues nas redações dos respectivos jornais.

Cada um demorava o mínimo possível no Comitê, à exceção de Franto Júnior que se abancava como dono e dali somente saía ao final da tarde, quando regressava aos seus pagos, em Camboinha.

Os deputados costumavam frequentar o Comitê, simulando mera visita ao pessoal da imprensa, quando, na verdade, o que desejavam era espaço, notícias, entrevistas, as fotos de Djalma Góes e a distribuição dos conhecidos “tocos” com a turma que deles carecia para completar o dinheiro da feira, ou da farra.

O Comitê também era palco de certos encontros amorosos, geralmente ocorridos no intervalo do almoço, quando ninguém, a não ser os que tinham negócios do tipo a tratar, por ali não mais apareciam. Como aconteceu na manhã e tarde daquela segunda-feira ressacada e sem brilho, de sol forte e calor intenso.

Chico Pinto almoçara na Fava de Efraim, ajudara a descer a comida com uma geladérrima cerveja e saiu para a Assembleia . Entrou pela porta da frente, subiu ao primeiro andar, abriu a porta do Comitê (ele tinha a chave), entrou, sentou no birô que ficava de frente para o banheiro e passou a folhear um exemplar de A União, para ler as matérias que fizera na véspera.

Estava imerso na leitura, quando a sua concentração foi quebrada por um psiu. Levantou a cabeça, olhou para o psiu que saía do banheiro e viu uma mão que aparecia do nada, movendo-se no sentido da porta, como a mandar que saísse.

Não ligou, continuou lendo. E o psiu se repetindo, e a mão do mesmo modo, dando ordens. Como Chico não deu bolas ao psiu nem à mão, na próxima investida a mão veio acompanhada da cara de Franto Júnior, que fazendo expressão de súplica, conclamava sua saída. Pinto, cruel, continuou onde estava, como se tudo aquilo ao seu redor não lhe dissesse respeito.

Cansado de tanto apelar, Franto Júnior se apresentou de corpo inteiro, a careca brilhando, os olhos fundos escondidos sob os óculos, a camisa fora das calças, arfante. E atrás dele, uma velhota passada nos anos, encabulada e desalinhada, o rirri da saia aberto e vendo-se depois dele uma calçola meio esbranquiçada.

A mulher saiu de fininho, atrás dela saiu Franto mancando da perna direita, firme no propósito de sumir dali o mais rápido possível. Quando alcançava as escadas, escutou seu nome ser gritado da porta do Comitê. Era Pinto, que em voz alta, avisava: “Franto, esquecesse a peruca”.(Do meu novo livro “Nos Tempos de Jornal”.)

Você pode gostar também

1 Comentário

  • Reply luciano vieira 18 de janeiro de 2021 at 00:11

    kkkkk!

  • Deixar uma resposta

    Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.