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Da nova série do Blog: Prefeitos de João Pessoa (1) – Hermano Almeida, o sobrinho do ministro

20 de maio de 2019

Quando aqui cheguei, em 1975, o prefeito era Hermano Almeida, guindado ao cargo pela via indireta da nomeação pelo regime militar. Sobrinho do ministro José Américo, Hermano chegou ao poder sem méritos políticos, mas com muita capacidade administrativa.

Ano que vem tem eleição e o blog pretende perfilar os prefeitos que dirigiram a cidade a partir de Hermano Almeida.

Garimpando a vida do ex-prefeito, deparei-me com esta preciosidade publicada em O Norte de 2005. Trata-se de uma entrevista com Hermano, feita por Gonzaga Rodrigues, Nonato Guedes, Martinho Moreira Franco Agnaldo Almeida e Goreti Zenaide. Vai transcrita a seguir, sem tirar nem por. Merece ser lida com atenção:

A HISTÓRICA ADMINISTRAÇÃO HERMANO ALMEIDA

Hermano Almeida:
“Não deixei ninguém roubar”
Ex-prefeito de João Pessoa, há quase 30 anos, o empresário fala sobre as tramas políticas da época e diz como fazer uma boa administração
O empresário Hermano Almeida, que foi prefeito de João Pessoa há quase 30 anos, contou um pouco de sua experiência durante a administração municipal. Ele revela detalhes simples que podem ser o segredo de uma boa administração pública, como executar obras usando os próprios funcionários da prefeitura.
Hermano Almeida destaca que durante quatro anos de mandato não houve um super-secretário, porque todos eram iguais. Ele disse que era como um “maestro que conhece todos os músicos de uma orquestra” e quando alguém desafina, o ouvido impecável sabe onde está o erro.
O homem que deixou marcas em João Pessoa com a pavimentação de grandes avenidas como a João Machado, Maximiano Figueiredo, Epitácio Pessoa e outras em Cruz das Armas, Jaguaribe, Tambaú e Manaíra, além de melhorar o acesso ao bairro Altiplano Cabo Branco, tentou novamente a prefeitura da Capital, segundo ele, a convite de Wilson Braga, mas terminou sendo traído.
Para desenvolver o plano viário da Capital, Hermano foi audacioso. Pediu ajuda a Jaime Lerner, então prefeito de Curitiba, que deixou um projeto que não foi totalmente concluído por falta de tempo, como ele afirma na entrevista.
Além da administração muncipal, Hermano Almeida foi secretário de transporte de Tarcísio Burity. Ele foi também uma das testemunhas sobre a indicação de Burity, em vez de Antônio Mariz, para o governo da Paraíba e revela ainda que na sucessão de Ernesto Geisel, em vez de Figueiredo a terceira opção seria o general Reinaldo.

O senhor foi prefeito de João Pessoa há muito tempo, mas até hoje falam muito de sua administração. Como foi isso?

Simplesmente porque viemos para João Pessoa com a intenção de servi-la e não para ser servido. E procurei, depois de escolhido, organizar uma equipe que estaria de acordo com minhas decisões e um pessoal amigo. Tanto é que começamos com um grupo de secretários e terminei com eles, não substitui nenhum. E havia uma formação de família. Quando começamos a vencer as dificuldades do primeiro ano e passamos a realizar alguma coisa era comum no final do expediente todos comparecerem no gabinete para identificarmos quem tinha dificuldade para executar as obras. E perguntava se sicrano podia ajudar a beltrano e deixávamos tudo acertado para o dia seguinte. Eu sabia dos problemas, passava nas obras e assim solucionávamos. Não tivemos um super-secretário. Todos eram do mesmo nível. Porque fiz uma família, era um ajudando o outro. Todos os músicos de uma orquestra estão de acordo com o maestro, quando um desafina ele está sabendo e está tendo conhecimento que ele está fugindo do que está na pauta. De modo que, acredito que o chefão “não furtando”, é difícil um auxiliar fazer o contrário.

Como se deu a sua escolha para prefeito de João Pessoa?

Foi no governo de Ivan Bichara. Olha tem uma particularidade. No governo de Ernani Sátiro fui convidado para ser prefeito da capital, mas estava me mudando de João Pessoa para Natal, porque trabalhava lá. Então decidi levar a família, porque a mulher disse: “Onde você tiver, tenho que acompanhar por causa dos meninos”. Uma vez cheguei em casa, o meu filho mais novo, que hoje é casado e pai de família, disse ao abrir a porta para mim: “mamãe, o homem chegou”, então ele não me conheceu. Ernani me convidou para ser prefeito antes de Dogival, depois soube que havia sido por recomendação de Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo. E eu disse que não podia porque já havia feito a transferência dos meninos para o Rio Grande do Norte, minha firma estava em dificuldade lá. E assim, eu fiz e deu certo. Quando houve a escolha de Ivan Bichara para governador, ele me disse e me convidou para ser prefeito. Combinei com minha esposa e trouxe todo mundo chorando para João Pessoa, em 1975.

Houve influência ainda de José Américo, na sua escolha?

Não. Ele era meu amigo, me queria muito bem através de meu pai, que era sobrinho dele.

Houve resistência na classe política por sua indicação pelo fato do senhor ser um técnico?

Senti mais resistência em relação ao fato de acharem que eu não era paraibano. Como já estava em Natal há um tempo, diziam: “Com tanto paraibano aqui colocaram um do Rio Grande do Norte para ser prefeito”. Depois fui a Assembléia debater com o pessoal, e tive um choque grande. Levaram-me para o plenário e pela primeira vez enfrentei uma massa, mas nunca tinha feito um discurso com as pessoas me inquirindo. Conhecia a cidade, porque nasci aqui na rua das Trincheiras. E achei gozado porque quando terminaram tudo o que queriam perguntar aí disseram: “O senhor pretende construir sanitário onde?”… (Risos.)

Como foi o relacionamento com a classe política quando o senhor era prefeito?

Nunca vi tanta tranqüilidade. Só havia briga quando era para eleição da mesa. Nunca enviei um projeto para não ser aprovado. E quem nos combateu muito foi Derivaldo Mendonça que inventou uma história. Porque nós começamos com um plano de trabalho muito vasto, tinha a questão da qualidade do serviço do meio fio de granito. Então passei a programar a coisa para o meio fio de concreto. E Derivaldo dizia que eu tinha uma fábrica de meio fio. Ele era acostumado com uma turma que comprava mosaico deles e colocavam nas obras deles mesmos, mas isso não é de agora, faz muito tempo. Mas, foi uma coisa muito fácil de desfazer. Eu disse que só era botarem olheiro nos postos fiscais para ver de onde vinha o material. Um detalhe que quero registrar é que a primeira concorrência que fizemos na Paraíba, disputaram três firmas. Lembro da FA Teixeira que foi a vencedora, tinha uma que fazia saneamento. A empresa vencedora fez uma obra em Manaíra de quatro lençóis freáticos para depois pensar na pavimentação. Fizemos um rebaixamento de lençol. E depois fizemos os setes lençóis.

Quando o Senhor entrou houve um plano geral?

Houve. Mas, o nosso primeiro ano foi de muito sacrifício. O município estava com uma dívida de quase um orçamento. Se não me engano era cerca de R$ 46 milhões. A receita era pequena. E o que mais me angustiou é que ficou material através de ofício. Uma das coisas que me tocou, é que tinha uma firma de uma pessoa que me disse que tinha um dinheiro para receber da prefeitura e que estava precisando, caso contrário iria à falência. Então mandei chamar Marivardo Toscano de Oliveira e pedi para ele ver como a gente poderia pagá-lo. E ele disse que a gente não podia pagar nada porque foi tudo comprado através de ofício. O camarada até chorou. E essas foram algumas dificuldades que tive. Uma vez passei um telegrama para Ernesto Geisel pedindo uma ajuda para João Pessoa, dizendo que o município estava em falência. E ele mandou R$ 24 milhões para pagar as dívidas e as obras. E eu soube administrar o dinheiro, porque pagamos o que devíamos e recomendei ao pessoal de compras para fazer tomada de preço só nas empresas que devíamos. E à medida que íamos comprando íamos pagando. Com o restante do dinheiro recuperamos ruas. Depois desse ínterim, com o pessoal do planejamento fomos elaborar projetos. Tivemos uma sorte de haver um desentendimento na prefeitura de Recife e importamos três técnicos de lá e mandei alguns daqui para fazer curso na Bahia. E quando começamos o ano estávamos com uma série de projetos engatilhados, fui para Brasília e comecei a negociar. E assim tivemos condições de começar a nossa atuação.

O Senhor sucedeu quem?

Antes teve Dorgival.

A imagem que a gente teve é que os dois primeiros anos da administração do Senhor foram de expectativa. E o Senhor deslanchou no terceiro ano?

Fui a Brasília e comecei a negociar os projetos já a partir do segundo ano. Sempre desejei o melhor. Então fui buscar Jaime Lerner lá no Paraná, que era o dono da bola, inclusive fez uma modificação em Curitiba que foi exemplo para todo mundo. Ele veio, estudou o plano viário juntamente com minha equipe. Ainda tem uma coisa dele que lembro muito e se tivesse demorado mais, teria feito. Porque Damásio não gostou muito. E quando chegou uma época que Jaime Lerner sugeriu fazer uma laje unindo o Ponto de Cem Réis para dar, justamente, condições ao Hotel e a Praça Vidal de Negreiro e ele não entendeu e não levou adiante o projeto. O Jaime Lerner fez o projeto orçado em R$ 80 mil para fazer a laje, usava aquele acesso que tem e usava o outro, inclusive, resolvendo o problema da Duque de Caxias. Agora, vi uma declaração do prefeito que me substituiu dizendo que eu queria aterrar a obra dele. Mas, não era nada disso, era uma obra até de Jaime Lerner.

O senhor tem em casa nos seus arquivos esse projeto de Jaime Lerner?

Digo uma coisa. Quando deixo um negócio, corto o cordão umbilical. Depois que sai da prefeitura só voltei porque me chamaram para assistir a posse de Itapuan Boto. Ele foi oficial de gabinete meu quando era do DER.

Há uma versão que o Senhor fez uma administração elitista, voltada para a praia?

Não considero isso. A minha primeira obra foi a dos corredores de transportes públicos. E quem usava era a massa. O povo reclamava que os ônibus passavam e quando um quebrava o outro não parava, porque existiam de sete a oito empresas individuais. Então consegui um financiamento para as empresas de ônibus com juros baixos, para formarem uma empresa com caixa único. Aí acabou com essa história de quando um ônibus quebrar a pessoa não ficar na rua. Cruz das Armas deu um trabalho muito grande para asfaltar, porque arrancaram os trilhos dos bondes e ficou tudo desordenado. Tivemos também de fazer galerias e desapropriar casas. Depois veio João da Mata, Trincheiras, Rodrigues de Aquino, João Machado, Maximiano Figueiredo, Monsenhor Walfredo, Odon Bezerra. A Epitácio Pessoa deu um trabalho tremendo, porque tinha um mercado (antigo Rich Center) que ficava empossando água. Damásio morava ali na rua Rio Grande do Sul e a água cobria tudo. Fizemos na Maranhão uma galeria e a iluminação não foi brincadeira porque fizemos a substituição dos fios para a fiação subterrânea na Epitácio.

Acho que essa impressão elitista foi por conta do projeto Cura, feito em Manaíra, que possibilitou a ocupação da área.

Eram dez mil lotes, só existiam três ocupados.

Agora se isso é uma marca positiva da sua administração, mas tem uma polêmica que foi a da Lagoa, quando o Senhor decidiu fechar o anel interno e à noite virou um antro.

Quando isso aconteceu eu não estava aqui. Estava no Rio. O que foi pior é que colocaram arame farpado. Mas, ali a vocação é ser isolado. Mais cedo ou mais tarde vão tirar os carros dali. Na época em que deixei a prefeitura fui para a secretaria de transporte, não que eu quisesse, porque sabia que não teria autonomia. Estava lá um certo dia e Oswaldo Trigueiro me liga aflito. Ele disse que estava com o pessoal da BTU e fez um estudo de João Pessoa e caiu igual ao seu projeto. Ele disse “não posso fazer isso porque o povo vai dizer que um faz e o outro desmancha…”, são palavras dele. Porque eu tinha feito, Damásio tinha desmanchado e estavam dizendo para ele fazer a mesma coisa. Era ampliar a rua, fechar a parte interna.Como nós fizemos. Em período de festa lá a gente apresentava a Nau Catarineta, o Boi Bumbá, a Lapinha. Ali no Cassino, perfurei um poço perto para diminuir a fedentina da Lagoa. Fiz também a ampliação da fonte e um tempo fazíamos a dança das águas. Isso tinha um objetivo, porque ela quando funcionava , corrigia um pouco a evaporação.

O destino da Lagoa é fechar o anel interno e ali ser transformado em parque?

Não tenha dúvida. Hoje ou amanhã vão fazer isso. Por que você proibir alguém de ir, sentar em baixo daquelas árvores, num banco? Deixar as crianças andar de bicicleta por ali? O automóvel não pode deixar a área interna e dar uma volta à mais pela parte externa? Outra coisa que vi no jornal é que aterraram a pista de skate que tinha ali. Então minha administração não foi elitista porque a gente deu condição a população dos bairros ter acesso aos seus trabalhos em menor tempo, em um transporte de melhor qualidade. Então é isso que digo, cuidamos primeiro dos transporte, atendendo primeiro a população mais carente e depois foi que viemos para a praia. Agora se tivesse vindo pavimentar logo para Tambaú aí ta certo, poderiam dizer que fiz uma administração elitista.

O senhor lembra de quantas favelas e bairros existiam naquela época?

Devia existir umas oito favelas, agora bairros tinham mais.

Agora na Zona Sul da Cidade, eram poucos bairros?

Tinha o Costa e Silva, Ernani Sátiro, mas não tinha Valentina nem Mangabeira. Lá naquele tempo era com Dr. Hermes Pessoa, que era construtor. Ele fez muito loteamento e tive alguns atritos com ele, porque ele queria comprar um terreno mais barato. O argumento dele era dizer que o terreno ia ser valorizado, porque o serviço público ia levar água, luz e energia. E isso criava um problema para a prefeitura.

O que o senhor deixou realizado que foi desmanchado pelos seus sucessores?

Não lembro muito. Mas sei que tiraram todas as placas das obras que fiz. Tem uma coisa que pouca gente sabe. Lá no Altiplano Cabo Branco foi construído duas mãos. Fizemos uma porque o trânsito era pequeno, mas a outra ficou com tudo pronto. Fui censurado dizendo que a gente tinha tido vantagem, dada pelo desembargador Arquimede Souto Maior. Porque quando vinha lá em cima, a gente ia passar pela mãe dele. Então, ele chegou danado. E pensei: “Se a gente for fazer a desapropriação a gente não vai fazer nada porque ele vai prender o processo e termina o mandato”. E ele combinou comigo que a gente quando chegasse na propriedade contornasse para evitar entrar na propriedade. Acho que agi certo porque ninguém mexeu até hoje.

Ivan Bichara foi traído na campanha ao senado em 1978?

Tenho impressão que ele não foi bem sucedido naquilo, mas isso é uma opinião minha. Aquela história de somar os votos dos candidatos nas sub legendas. Ivan tinha como candidato a vice Maurício Brasilino Leite. Então veio Brasilino e começou a enfeitar a disputa e em cima da hora renunciou. E saíram procurando quem tivesse a documentação propícia para fazer o registro. E encontraram Edísio, que tinha atividade de banqueiro. A jogada foi essa, ocuparam a sub legenda e na hora desistiram. E ele teve que desistir.

E Dorgival não teve nenhuma participação nessa jogada?

Talvez ele tenha lavado as mãos. Outro fato notório é que quase às vésperas da eleição foi baixado pelos Coutinho uma cobrança do ambulante.

O senhor foi secretário dos transportes no governo de Burity e de Wilson. O senhor não saiu bem quando deixou a secretaria de Burity?

Participei da administração de Burity um. Fui porque meus amigos da prefeitura insistiram que eu aceitasse para que eu fosse um elo e fui para o holocausto. Não sei se vocês têm conhecimento, mas comecei a me chocar com Burity em uma reunião que houve com todos os secretários logo no início. Ele disse que ia fazer a reunião para discutir os problemas e advertiu que ninguém falasse na hora em que ele estivesse falando. Mas, teve uma hora que não agüentei. Ele disse: “Encontrei um governo completamente comprometido. O governador nomeou umas cinco mil pessoas para o Estado”. Aí eu não agüentei. Porque via a luta de Ivan (Bichara), porque não tinha ninguém da gente nomeado por ele. Aí disse que tinha assistido a campanha dele que dizia que tinha construído mil salas de aula. Mas, se a gente considerar duas professoras para cada sala por dois turnos, além das merendeiras, vigias e algumas pessoas que os amigos pedem. Então veja, que cinco mil pessoas não são muitas. E tem mais, o governador não nomeia, o governador referenda, porque o secretário é quem nomeia. E na época o secretário era ele. Aí depois houve outro episódio gozado e foi festivo. O nosso amigo, Aluízio Pereira, de Princesa, foi o secretário escolhido da saúde. Ele disse que tinha encontrado a secretaria em desordem, que o gabinete fazia pena. Só que ele esqueceu que o vice era Dr. Clovis que tinha sido secretário, que por sinal estava na reunião. Dr. Clóvis se levantou e disse “Se meu gabinete era assim, era porque vivia viajando a Paraíba inteira a procura dos projetos que estávamos realizando. E eu pensava que o senhor viria apresentar novos projetos”.

O senhor tentou voltar para prefeitura em 1988?

Eu não tentei… Aí foi o único caso que eu não me dei bem com Wilson Braga. Apesar da gente ter um certo afastamento na maneira de pensar, gosto dele. Mas, ele mandou me chamar e disse que queria que eu fosse candidato a prefeito de João Pessoa, porque ele dizia que eu tinha nome e queria ver o que Burity ia dizer. Ele dizia que tinha estrutura política e dinheiro. Aí fiquei com vergonha de dizer não. E peguei Oliveira de Panelas, em um caminhão e fomos fazer campanha. Wilson se lançou para prefeito e deu uma declaração dizendo que eu ia retirar a candidatura declarando que eu iria apóia-lo, sem eu saber de nada. Agora, fui advertido por Oswaldo Trigueiro. Ele tinha me advertido na Câmara. Agora fui para o PTB. Hermano Sá vivia me chamando e nunca ia. Mas, quando aconteceu isso, disse que ia até o fim. Meu vice foi Luiz Monteiro. E vendo os caras na Lagoa distribuindo colchão e a gente num liseu danado.

A título de registro histórico qual foi sua participação na escolha do Governador Tarcísio Burity?

As coisas depois de feitas, aparentam muito mais. Fomos a Brasília, acompanhando Ivan Bichara, porque ele foi credenciado pela Arena para conseguir a aprovação do nome de Milton Cabral. Então nos encontramos lá com Brasilino Leite, Teotônio Neto, Antônio Gomes, Wilson Braga, todos no Hotel Nacional. Lá fomos visitar o general Mangueira, fomos procurar o Francelino Pereira, presidente do partido, uma luta grande. Onde tinha uma pessoa de influência íamos falar. Mas não tinha jeito. O nome era Mariz. Um dia, porque a gente não estava querendo falar com o general Reinaldo – queríamos poupá-lo porque sabíamos que ele estava socado com a cúpula do governo. Eu acho que ele era um dos candidatos a presidente da República, na sucessão de Ernesto Geisel. Houve um desentendimento na cúpula do governo, principalmente, entre Geisel e general Frota, que era ministro do Exército. Então, os militares que tinham acesso as tropas, ficaram em Brasília, porque o Frota e o Ministro da Casa Militar, Hugo Abreu, chamava os caras todinhos dos comandos do interior e os membros ficavam pensando, quem era que tinha prestígio. O negócio chegou numa posição crítica, então Hugo Abreu, que tinha sido colega de toda escola, convenceu a Frota não ser candidato com o compromisso de Figueiredo não ser. E em terceiro caso seria o General Reinaldo. Isso era o que eu acreditava. Mas, Geisel terminou colocando Figueiredo. E Hugo Abreu pediu demissão e escreveu o livro “Do outro lado do poder”

Havia uma possibilidade do general Reinaldo ser o sucessor do presidente Ernesto Geisel?

Sempre houve. Ele estava na Paraíba quando ficou sabendo que Figueiredo foi escolhido.

O ministro José Américo e o general Reinaldo demonstraram inconformismo com o resultado?

O Reinaldo ficou na função dele. E o José Américo vivia meio fora desse detalhe.

Voltando a Burity…

Então não chegamos até o General Reinaldo para solicitar a interferência porque ele estava com suas mágoas. A barra era pesada. Então a gente, podendo evitar, não fui. A gente chegou um dia, inclusive, Wilson Braga, zangado com Ivan (Bichara) porque ele não ia falar com Reinaldo. Mariz já estava eleito porque não estava havendo interferência… Então, não agüentamos mais e fomos. Aí disse a Reinaldo que a gente sabia dos problemas dele, mas perguntamos se ele não poderia dar uma ajuda. E ele disse: “Não quero voltar a esse assunto porque meu pai está em Tambaú e está se interessando em escrever para jornais. E não quer se envolver em política, muito menos eu”. Então saímos e baixamos a cabeça. Quando chegamos no Hotel chegou a notícia que estavam comemorando a vitória de Mariz. Ele teria sido escolhido e foram soltar um monte de bombas. E disse a Reinaldo que ele não queria que o pai dele se envolvesse na política, mas o negócio pesa diretamente em você. Ele disse depois que conversou com o pessoal: “Vocês indiquem outro candidato porque Milton Cabral não será nunca indicado por eles, porque Mariz entregou um dossiê muito violento sobre ele”. Aí Ivan perguntou o que eu achava de Burity. “É um rapaz novo, filho de um amigo meu. Não é possível, que eu tirando ele de uma cátedra para colocar no Governo do Estado, ele venha me trair”. Voltamos para Reinaldo e dissemos o nome de Burity.

Mas, notadamente José Américo opinou?

Só se Reinaldo consultou ele, mas não tenho conhecimento.

José Américo chamou o jornalista Severino Ramos e deu uma entrevista dizendo que Milton Cabral não sentaria na cadeira de Governador. Isto saiu nos jornais da Paraíba.

Sei que José Américo preferia Mariz a Milton Cabral, não tenho dúvida nenhuma.

Mas, você acha que o General ligou para ele?

Dizem que levei uma carta de José Américo… Então, saímos de lá certo de que Burity era o escolhido. E ele pediu silêncio absoluto. E saímos eu, Ivan, Milton Cabral e o chefe da casa civil de Brasília para visitar um parque que estava construindo. E a gente ao lado de Milton sabendo que não era ele e estava muito chateado, mas não podia falar porque estava sob voto de silêncio. E quando a gente chega no Hotel Nacional lá vem Wilson Braga, Brasilino e os deputados. Eles olharam para mim e disseram: “Rapaz estamos derrotados, Mariz está escolhido”. Eu já estava certo que era Burity. Na entrevista de Waldir Santos um fato que ele contou não foi verdadeiro. Depois que esse povo se dispensou e chegou Cláudio de Paiva Leite, em nome de Golberi, propondo a Ivan para ele ser senador, Mariz governador do Estado e Ivan apresentava o vice. E Ivan disse: “Se eu quisesse ser senador eu teria aceito a proposta de Mariz, que tinha João Agripino, Ernani Sátiro. Mas, eu estou trazendo a bandeira do partido que me deu a incumbência de lutar por um candidato. E não tenho condições de fazer um acordo com vocês”. Fiquei observando de longe.

O ministro era favorável a Mariz. Dr. Ivan, que tinha todas as atenções ao Ministro, preferia Milton?

Ivan Bichara não preferia Milton, ele levou uma decisão do partido. Na entrevista de Waldir, ele disse que foi Wilson quem indicou, mas não foi.

Ivan Bichara, nesse momento, era preso a decisão do partido?

Ele ficou preso na decisão do partido. Ele disse logo que não veio discutir Senado, porque se quisesse isso, teria decidido na Paraíba mesmo. No dia que acendeu a luz para dizer quem era o escolhido, fui com Wilson Terroso meu Secretário de Gabinete, já tranqüilo, sentei na beira da piscina. E estávamos tomando um uísque e Manoel Galdêncio se aproxima com uma jornalista do Correio Brasiliense que tinha sido apresentada a mim por Milton Cabral. E começamos a conversar sobre besteira e chega um cidadão, dizendo que era jornalista dizendo que todos os governadores haviam sido escolhidos. E disse que na Paraíba teria sido Mariz. E eu contestei. Disse que achava que não tinha sido. E passei a dizer: “hoje passei o dia todo passeando no Parque Cereja e terminei Burity, que é o palácio de lá”. Mas, a ficha não caía. Terminou a noite e no outro dia, quando estou no elevador, estava no Correio Brasiliense, Mariz sentado em uma mesa assinando. E daqui a pouco veio o jornalista dizendo, “mas prefeito o senhor dizia o tempo todo que tinha passado o dia todo passeando no Parque Cereja e terminei Burity. E perdi a oportunidade de dar o furo, porque quando olhei a garrafa já estava terminando e não entendia”.

O senhor disse que Burity traiu Ivan e depois traiu também o Amerissismo?

Não digo que ele traiu. Mas, que ele não foi 100% correto. A começar por esse dia que ele disse que encontrou o estado em péssimas condições, sabendo que Ivan o tinha apoiado. Ele era maquiavélico. As obras que Ivan deixou quase concluídas, ele levou mais de um ano para inaugurar. A estação rodoviária que deixamos quase pronta, só faltava um acesso. E como estava na secretaria de transporte dr. Eliseu Resende veio fazer uma visita. E perguntei porque não inaugurava. Aí Damásio disse que estava faltando construir um acesso. E ele disse que arranjava o dinheiro. E perguntou: “Quanto tempo você leva para terminar?”. Ele disse que passaria seis meses, mas com dinheiro eram só trinta dias.

Dr. Ivan Bichara e Burity deixaram de se falar?

Não. Eu era que não dava muita bola para ele.

Alguma vez, naquela época da indicação de Milton Cabral, Burity, lhe sopraram no seu ouvido para ser governador?

Nunca fui cogitado, porque a gente não quis, eu como cunhado dele, a gente nem cogitou por causa do parentesco.

O senhor tem alguma decepção na vida pública e depois o que o senhor acha de João Pessoa hoje, na administração de Ricardo Coutinho e se acha que ele pode inovar alguma coisa em relação às sementes que o senhor plantou naquele tempo em que foi prefeito?

Não tenho nenhuma decepção em relação a minha atuação na vida pública. Foi muito boa, mas é pena que em quatro anos é pouco tempo para se realizar obras, principalmente, quando você pega a prefeitura com um ou dois anos sacrificados. Aí você pega a quantidade de projetos que deixamos. Que até agora ainda estão executando. A Lagoa, queria acabar aquela imagem do arame farpado, porque eu mesmo tive um choque quando cheguei. Outra atividade que tivemos e que lastimo muito ter acabado foi a Urban, que era administrada por José Dantas Carneiro, que estava com um sucesso muito grande. Já havíamos pavimentado muitas ruas e com um número grande de atendentes já recolhendo as parcelas. Tive uma habilidade de funcionar com a cabeça. Porque comprei equipamento de terraplanagem, que eram caminhões para lixo, moto niveladora, trator, fiz tudo. Então sabia que a prefeitura tinha que dar a contrapartida. Isso, já conversei, inclusive com Ricardo. Manaíra e esses acessos todos, a base toda, quem fez foi a prefeitura, que tinha engenheiro e tinha tudo. Resultado: aquilo correspondeu a contrapartida da prefeitura. E executamos todo o projeto da praia, usando esse artifício. A gente trabalhando, fazendo o serviço e pagando com o nosso trabalho. Por isso é que o dinheiro rendeu. Não deixei que ninguém roubasse, porque não dei exemplo. E utilizei o nosso pessoal para trabalhar e fazer um serviço bom, porque os nossos serviços eram para valer, não tinha essa história de “sonrisal”.

A gente falou de Lagoa. Mas e o Mercado Central?

O Mercado Central a gente estava com ele, simultaneamente com a Lagoa. A Urban chegou a fazer um projeto que ficou em exposição no Ponto de Cem Réis, porque ali construindo um prédio no Mercado Central, como está no Terminal lá em baixo, porque construindo garagem, sala de dentista, de médico a pessoa que trabalha no comércio saltava do ônibus ali e ia com sua ficha, fazer tratamento de dente ou outra coisa e depois ia embora. Agora ali seria um grande estacionamento, além dessas coisas todas. E queríamos proibir o tráfego na Guedes Pereira, na Marciel Pinheiro, naquela área lá de baixo. Porque o camarada que fosse para lá, estacionava na Lagoa e pegava um ônibus executivo, não perdia tempo em estacionar.

E o que foi que faltou?

Tempo. Mas, repare como dá certo. Se não tivesse trânsito naquele anel, a pessoa iria para qualquer local sem se preocupar em estacionar.

O senhor tem alguma idéia, antiga ou nova, para evitar o esvaziamento do Varadouro?

Vi que ele está fazendo uns investimentos lá para colocar os ambulantes. Quando levamos o Terminal Rodoviário lá para baixo foi justamente para revitalizar aquela área. Agora a situação que existe na Cidade Baixa, fizemos um levantamento todo ali, com aquelas oficinas. E para a gente construir a Lagoa tivemos que colocar centenas de sacas de areia para justamente fazer a drenagem para poder acomodar aquele manguezal que era ali. E quando estava na secretaria disseram que a Rodoviária estava rachando. E por que vieram perguntar a mim, repara lá se tem meu nome. O que vocês estão vendo é porque foram feitos três módulos, então tem a junta dilatação e no lado de fora colocamos os ladrilhos que não são cimentados justamente prevendo o abatimento, porque ali é matéria orgânica. Então é só tirar os ladrilhos e recoloca-los.

Aquele projeto da Rodoviária de quem é?

Não lembro de quem é.

O senhor conhece muito bem Natal, que entrou muito bem na rota do turismo, mas porque é que João Pessoa vem engatinhando e nunca dispara?

Sentimos duas coisas. È que o natalense teve a influência do americano na época da guerra. E lá há aquela liberalidade de construir obra de qualquer tamanho. Acho que esse número de três ou quatro andares é pequeno. Acho que deve ser feita uma disciplina entre o distanciamento entre um e outro. Agora vou esclarecer um negócio para vocês. Nunca levei carta de José Américo para Geisel nem para ninguém, nunca. Essa carta que atribuem a mim de ter levado, vi Ivan na máquina, no gabinete de Armando Falcão, e não teve mais tempo de ter acesso a cúpula porque estavam atarefados demais. Ivan escreveu e mandou por Armando Falcão para o grupo. É por isso que estão dizendo que fui eu, mas não levei nem carta nem currículo.

Quer dizer que a carta não foi de José Américo, foi de Ivan Bichara?

Foi Ivan que eu vi escrevendo.

Todo governante que chega no poder diz que recebe um abacaxi? Todo mundo é assim? O senhor deixou?

Não, porque deixei dinheiro em depósito. Eu estava na secretaria, quando Damásio foi tomar posse e foi à Câmara Municipal e disse que eu tinha deixado a prefeitura endividada. Eu disse que até a iluminação tinha pago dois dias antes. As dívidas do Projeto Cura seriam pagas com os juros dos imóveis do IPTU. Estava tudo programado direito. Aí eu disse não, ele vai tomar posse e eu vou lá. Ele estava com um monte de papel e me deram a palavra. E aproveitei para dizer tudo, que não tinha deixado a prefeitura endividada. Disse que tinha deixado a folha em dia e todos os serviços pagos. Agora disse que a equipe dele estava levantando empenhos, mas isso não é dívida, é um documento que pode, inclusive, ser anulado. E disse que tinha dinheiro na Caixa Econômica Federal. E quando acabei de falar ele disse ao povo que iria pegar o dinheiro que deixei para aplicar em construção de casas, num discurso ingênuo, porque aplicar recurso específico de obras para outra coisa…

Para encerrar, como é que o Senhor acompanha o atual quadro nacional?

É uma tristeza. O que se pode esperar de uma república que se negocia o futuro dos pobres através de mensalão? Isso é altamente criminoso.

Entrevista concedida aos jornalistas: Nonato Guedes, Gonzaga Rodrigues, Agnaldo Almeida, Martinho Moreira Franco e Goreth Zenaid e publicada no Jornal O NORTE de 21 de agosto de 2005

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