Daqui da minha janela eu vejo Ademar passar no seu caminhar lento. Anda devagar, sem pressa, sem olhar o relógio. Deve estar ouvindo alguma música clássica, presumo, por causa dos dois fones ao redor dos ouvidos. E, também, olhando alguma coisa além da paisagem que o rodeia, pois não tira os olhos do celular.
Antes dele, mais apressado, com jeito de maratonista, Seu Manuel Lisboa já completara a sua quota diária de quilometragem, dando 17 voltas ao redor do condomínio, preservando o costume que trouxe da caserna.
Também andamos, eu, Cacilda e Júnior. Eu, mais devagar, desisti na sétima volta. “Um dia chego lá”, justifiquei para a patroa.
Choveu pela madrugada, escutei a zoada no telhado. O dia amanheceu com chuva fina. Era necessário para quebrar a quentura.
Bananeiras está quente, nunca a vi assim. Parece que o mundo inverteu os discos da temperatura, levando calor para onde fazia frio e frio para onde fazia calor.
Preciso até ouvir alguns amigos de Sousa e Patos para eles me dizerem se nessas duas cidades está fazendo frio. É bem capaz de estar.
Quando comecei a andar em Bananeiras o queixo batia de frio em pleno meio dia.
As pessoas que frequentavam o restaurante da Estação recebiam cobertores e mantas para se agasalharem.
Agora é diferente.
Tem gente comprando até aparelho de ar condicionado para baixar a temperatura.
Estamos na plena vigência do toque de recolher. Em Bananeiras o recolhimento é obrigatório, já que a cidade está na cor alaranjada, mesmo com os poucos casos de Covid registrados até agora.
Mas isso vai acontecer só formalmente. Depois das 10 a cidade fica deserta, as portas se fecham e nem lobisomem aparece.
Aqui no nosso esconderijo poucas casas estão habitadas. Temos a da professora Juliana, a de Seu Francisco, a de Ademar Teotonio, a de Manuel Lisboa, a de Pedro Cirne, a do síndico Mazureiky e a do meu amigo Oswaldo. Ricardo Ramalho se divide entre a Capital e o Brejo, Vicente Carosi a mesma coisa, Chianca idem, Renato mudou de cidade, Braga voltou para Rio Tinto depois de passar o feriado de carnaval por aqui, Júnior Mafuá só chega na sexta e vai embora no domingo, Marcos Vinicius também, o irmão dele, Ítalo, de Natal, passa 15 dias aqui e 15 lá, os vizinhos Neném e Liana prometem voltar na Semana Santa, em suma, estamos num sítio cheio de silêncios e de cantigas noturnas de passarinhos indormidos.
Lá fora, porém, o povo continua sem máscara. Até parece que não vê televisão ou escuta rádio. Nem na padaria a cordial balconista usa a indumentária. E quando o faz, coloca debaixo do queixo como se estivesse curando a papeira.
Palmas para a mocinha da Loja de Conveniência do posto ali adiante. Ela usa a máscara e disponibiliza álcool para quem quiser utilizar.
Lá mais na frente, na Chã do Lindolfo, a gentil caixa do mercadinho São Sebastião ora usa, ora não usa.
Dizem que a vacina está chegando. Tomara. Sinto falta daquelas idas aos bares da vida e das conversas animadas ao pé do balcão.
E o que dizer dos almoços aos domingos ao lado dos filhos, dos netos, do genro e da nora?
É saudade de mói, como dizia o poeta.
2 Comentários
Pois aqui, na cidade onde o sol
nasceu mais cedo, na primeira
madrugada do toque de recolher
teve motorista que nem esperou
o nascer do sol.
Às 3:30 da madrugada já dava para
ouvir o barulho de carros passando
na avenida. Eu levantei e fui pra
varanda esperando ver algum
dos diligentes agentes que dizeram
que conduziriam os infratores à
delegacia. Não apareceu nenhum.
Se apareceu estava tão invisível
quanto o vírus.
Eu soube agora que havia
policia no busto de Tamandaré ,
na orla. Muitos policiais
Ah, esqueci de mencionar que
não houve barulho de motos
alucinadas, só de carros.
Já é alguma coisa!!!
E coincidência, ou não, o
movimento de carros hoje
de manhã está menor. Não
muito, mas diminuiu.
Quero ver no final da tarde,
na hora do rush, na volta
pra casa.