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Ei, psiu

19 de maio de 2018

Frutuoso Chaves

Fossem outros os tempos e outros os modos, o anúncio seria assim: “A Rede Globo de Televisão tem o orgulho imensurável de apresentar (pausa para a respiração) O CASAMENTO DE HARRY E MEGHAN”.

Os tratos modernos da edição não impedem o arroubo. Apenas o disfarçam. O êxtase, em suma, é o mesmo. E advém, certamente, daquilo que o pernambucano Nelson Rodrigues chamou de Complexo de Viralata. É termo que define um sentimento de inferioridade em relação a tudo o que provenha da realeza e das nações mais ricas e desenvolvidas, assim tidas e havidas.

Conta-se que Nelson Rodrigues o cunhou assim que Belini ergueu a Taça Jules Rimet, ao fim da Copa do Mundo de 1958, disputada na Suécia. “Talvez possamos, agora, perder o complexo de vira-lata”, comentara. Quanto a mim, ressuscito uma expressão da Dona Amélia, minha avó: “Sonha, Marcelino”. Os mais adentrados hão de lembrar o dito inspirado no filme mexicano “Marcelino Pão e Vinho”.

Pois bem, Harry, 33 anos, sexto nome na sucessão do trono britânico. Foi o último filho parido por Diana. Creiamos: as princesas também parem, sobretudo quando têm a origem plebeia da mãe de Harry.

Meghan, 36, atriz estadunidense, que a Globo trata por “americana”, como se americanos também não fossem todos os nascidos nas demais Américas.

Disseram-me que a transmissão durou uma missa inteira, com desfiles de joias, vestidos e chapéus femininos. E que o arcebispo de Canterbury falou para dedéu.
Prato cheio para um Brasil sem reis nem rainhas. Perdão: esqueci-me de Roberto, Pelé, do príncipe Ronnie Von e, até de ti, Luiz Gonzaga, sem que te seja a culpa.

Ao computador, percorro os caminhos da internet em busca do que se passa neste mundão de Deus e o G1, sem cerimônia alguma, me provoca: “Casamento real: tudo o que você queria saber sobre o casamento entre o príncipe Harry e Meghan Markle e tinha vergonha de perguntar”.

Por que deveria eu me preocupar com isso?, pergunto aos botões tão plebeus e insignificantes quanto o dono. E é o mesmo G1 quem dá a pista:

“Você é um romântico sem esperança? Gosta de saber como vivem os ricos e famosos? Estava com os olhos marejados quando o príncipe Charles se casou com a princesa Diana? Se você respondeu sim a qualquer uma dessas perguntas, provavelmente já se programou para acompanhar o casamento real”.

De pronto, me vem à mente a charge deliciosa de Alpino quando do deslumbramento tupiniquim com o nascimento recente de um principezinho desses de cujo nome não recordo. O desenho mostrava a enfermeira, frente a câmaras e microfones, a exibir uma fralda suja de cocô: “A primeira freada”, explicava. Sim, eles também cagam.

Vem-me, também, a expressão aristocrática: “Dona Miriam, meus sais”. Estou, enfim, ficando chique.

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