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Era dia de domingo

6 de maio de 2018

O domingo começava cedo, com o sino chamando para a reza matinal.Dão Mandu, o sacristão, comandava a orquestra, e as andorinhas, arranchadas na torre principal da igreja, escureciam o céu com o vôo majestoso,em grupos, como se fossem, todas elas, partes de um mesmo corpo ou membros de uma afinada orquestra.

A missa começava às sete. Lá dentro, perfilados diante do altar, os circunspectos católicos se emocionavam com a sarafina de Dona Irene, dando acordes à voz de João Mandu, ela sozinha capaz de preencher todos os espaços.

Rezava-se em latim, de costas para o povo.Frei Anscário, um alemão de quase dois metros, resmungava as orações num estrangeiro que ninguém entendia,e os coroinhas respondiam balançando uma sineta que ao ser tocada, arrepiava os poros engilhados de Maria Sérgio, a beata que se vestia de freira sem nunca ter feito os votos.

Valdemar Abrantes ficava na última fila, de pé. Dizem que era pra poder peidar tranquilo, já que o fazia com a sonoridade dos justos e não queria envergonhar as senhoras pudicas que não aceitavam o peido em público.

Genésio Lima não entrava na igreja.Preferia ficar do lado de fora fumando o seu Astória, rodeado pela patota ávida pela cachaça que seria consumida logo mais no Bar de Dona Maria do Ó.

Assim que a missa terminava, Genésio seguia com os companheiros, em romaria, para o bar. Tudo corria por sua conta, menos o cigarro. Ele não gostava dos filões.Tanto não gostava que puxava o Astória do bolso da calça pela “urêia”, para evitar que os filadores descobrissem a carteira amarela do perfumado Souza Cruz.

Batinho cantava “Debaixo daquela Jaqueira”, sem precisar de acompanhamento sonoro. Seu vozeirão enchia a Rua do São Roque e chegava à Lagoa da Perdição.E Genésio, o general da mesa, bebia até arriar a cabeça e adormecer ali mesmo.A farra, porém, continuava até o chefe acordar, já sóbrio, pedir a conta e ir em busca dos braços e abraços de sua amada Inês.

Na parte da tarde acontecia o desfile de moda de Chico de Lúcio Frauzio.Ele botava o seu famoso paletó cinza e descia o Cancão  na maior lordeza, para assistir a segunda missa do domingo.

Lúcio Frauzio e a mulher estufavam o peito de orgulho quando viam o filho Chico descer a rua, humilhando a molecada sambuda e seminua da velha rua.

Depois da missa, mocinhas e rapazes ostentavam seus inocentes namoros pela Rua Grande, de mãos dadas,  aguardando o assustado do Bar de Bartolomeu que começaria dali a instantes.

E todos dançavam de rostos colados as músicas de Roberto, de Renato , dos Fevers e de Ronie Von.

Às 10 da noite a cidade adormecia. Somente o aboio de Isaias do Cágado informava a quem estivesse passando por ali que naquela cidade silenciosa existia gente.

Mas não era a cidade toda em silêncio.Lá para os altos do Cruzeiro, notívagos jogavam-se nos braços das belas raparigas do Cabaré de Estrela, todas elas cheirando a talco e a perfume importados de alhures pelo internacional João França.

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1 Comentário

  • Reply EDGAR 6 de maio de 2018 at 09:24

    Eita Tião velho macho e inspirado.Eu também vivi e testemunhei tudo isso que acabo de ler. Eu e meu saudoso primo Zé Medeiros residíamos no então distante do centro, hoje Bairro Maia. Quantas saudades da minha querida cidade. A construção do Açude Jatobá II, máquinas, caçambas, operários e a nuvem de poeira cobrindo o céu de Princesa, são cenas que permanecem na minha mente.

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