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Galinha de capoeira

29 de janeiro de 2019

Fazia tempo que o último galho de mato verde havia desaparecido. De verde mesmo só os juazeiros, que, teimosos, não derrubavam suas folhas. Quatro anos sem chuvas e a matutada comendo o feijão  encruado dos americanos. Um feijão duro, que passava dois dias na panela e só se tornava comestível depois de pisado no pilão.

Não havia mais comércio. As poucas bodegas fecharam as portas por falta de estoque. Os fiados não pagos levaram Diolindo Mandaú, Zé Alvelino, Luizinho Arapapaca, Zé Domingos, Antonio Conrado, João de Tertu, Adauto, Pedro Sobreira, João de Teté, Zé Galego e outros menos votados a uma falência absoluta.

Sobrevivia Zé Brejeiro com a sua cachaça de raiz. Mas é perfeitamente explicável tal milagre. Os bebuns sempre encontravam um jeito de pagar pela lapada de cana ou pelo tira-gosto de preá.

O Governo fez promessas. Uma atrás da outra. Até que, não tendo mais como empurrar com a barriga, mandou a Sudene implantar frentes de serviço nas estradas poeirentas de Princesa e Manaíra.

Turmas e mais turmas de trabalhadores foram formadas e espalhadas pelas estradas. Faziam manutenção de buracos, abriam picadas no mato e, à noite, durante o descanso, bebiam cachaça e contavam histórias de amores idos.

A casinha da Serra do Canoa despontava no alto do monte. Nela se abrigavam duas lindas irmãs. Moças inocentes e prendadas, que passavam o dia sozinhas, cantando modas patrióticas, enquanto os pais davam plantão na frente de trabalho.

Os dois apontadores de trecho foram atraídos pela cantiga penosa: “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo/ meu coração é verde, amarelo, branco, azul marim”.

Elas faziam dueto, primeira e segunda voz. E quando cantaram com plateia pela primeira vez, sentiram-se nas nuvens.

E os dois fãs ardorosos, ouvindo e batendo palmas, foram convidados para comer a galinha de capoeira que cheirava na panela de barro.

Depois da galinha…

Bem, isso é segredo. Nem tudo pode ser contado.

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