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Miguezim aposentado

20 de setembro de 2023

Meus pais tiveram 13 filhos, se criaram nove e, desses, Miguezim é o caçula. Botei ele nos braços, só não lhe limpei o fundo porque, precoce, aprendeu a se virar sozinho desde pequeno.

Quando pequenino, acompanhou papai a Patos Espinharas e se perdeu.

Nunca tinha ido a uma cidade grande. Insistiu, queria acompanhar papai numa das viagens que fazia para reuniões na Fetag, o velho concordou e bastou papai se descuidar para o batintope, como o chamava, sumir do mapa.

Claro que o velho quase perdeu o que lhe restava de cabelos.

Procurou daqui, dali e dacolá. E quando já se desesperava, avistou aquele pingo de gente descendo pela Rua do Prado em direção à Delegacia da Fetag, à época comandada por Caboclinho.

Não tinha dez anos e já declamava versos. Mais do que isso, fazia. E até improvisava. Durante uma cantoria de Otacílio Batista e Oliveira de Panelas no Instituto Frei Anastácio, em Princesa, sentou-se na frente de todo mundo, no chão, para ouvir os poetas. Pela abertura da calça curta ficou aparecendo os ovinhos do menino. Otacílio viu e glosou um improviso. Miguezim levantou-se de lá e respondeu também de improviso.

Mais taludinho, aos 12 ou 13 anos, conseguiu uma máquina fotográfica, daquelas de monóculo. E foi bater no cabaré de Estrela.As putas, com pena daquela criancinha carente, concordaram em fazer poses sem roupas. Miguezim clicou todas elas: Lourdes Branca, Lindalva, Pipoca, Socorro Rouca, Rita Quarto de Bode, Toinha Baú e Bola, fez os monóculos e os vendeu aos matutos na feira do sábado. Não deu pra quem quis.

Quando precisou fazer o então segundo grau, veio embora pra João Pessoa. Papai já havia morrido e mamãe mudou-se para uma casinha que ainda hoje existe no Ernesto Geisel. Tentei empregá-lo em A União, mas como no jornal só havia uma vaga, priorizou-se dá-la ao irmão de uma figura bastante influente na redação. Foi para O Norte. E lá brilhou, entrou para o Sindicato e, através do Sindicato, ingressou no PcdoB. No PcdoB teve a chance de conhecer mundos. Foi bater em Cuba. Na terra de Fidel aventurou-se, ao lado do seu amigo Peninha, com duas cubanas, que lhes prometeram amor e os depenaram depois de fazê-los adormecer com um “boa noite Cinderela”. As malvadas ainda deixaram um bilhete. “Migueli, para não me olvidares”.

Ele sempre superou obstáculos e nunca precisou de escoras para vencer na vida. Foi jornalista na Bahia por muitos anos e, como se formara em Direito, fez concurso público para a Polícia Civil do Distrito Federal, virou delegado e, como delegado, exerceu os mais relevantes cargos da carreira e fora dela.

Hoje ele se aposentou.

O meu caçula se fez homem, criou raízes, plantou filhos e só não digo que vai descansar porque, conhecendo-o, sei que jamais se acomodaria dentro de um pijama entre as quatro paredes de um apartamento.

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