opinião

MORTE E VIDA, SEVERINA

7 de abril de 2024

Por GILBERTO CARNEIRO

VAMOS ser francos. Você se perguntou em algum momento se está preparado para morrer um dia? Sabemos que a vida, ao menos em termos de matéria, tem começo, meio e fim. Nenhum dos mais renomados cientistas tem como contestar esta realidade. Você morrerá um dia. Todos morreremos um dia. Ponto.

Então se inevitavelmente você morrerá um dia, independente do seu poder; do seu credo, da cor da sua pele, da sua condição social, da sua conta-corrente, o que fazer? Talvez nenhum filósofo tenha respondido a esta pergunta por que unicamente é uma resposta que apenas você individualmente poderá dar.

Para muitos, pouco importa, você morrerá um dia e pronto; para outros, não é bem assim, você morrerá um dia, mas é preciso algumas cautelas para não antecipar voluntariamente sua partida; para outros, se vai morrer de qualquer jeito, carpiem die, viva o dia e o resto que se dane.

Mas há uma quarta categoria, os que sabem que irão morrer um dia e abraçam uma causa para dar sentido às suas vidas. Lembram de João Cabral de Melo Neto? imagine o tormento e a beleza do poema do retirante que sai de sua terra natal em busca de melhores condições de vida. Durante a jornada se encontra tantas vezes com a morte que, desiludido e impotente, fraqueja e acha que a vida é inútil. Muitos Severinos e Severinas sucumbiram, mas quantos Severinos e Severinas, quantos injustiçados e perseguidos não estão de pé? Sabe por que resistiram? Os que sucumbiram por uma causa nobre deram lhes forças adicionais.

O filósofo Josiah Rooche tem uma tese interessante que chamou de “Filosofia da Lealdade”. Royce queria entender por que o simples fato de existirmos (termos um lugar para comer, e estarmos vivos e seguros) simplesmente não nos basta. Por que é que ter acesso às necessidades básicas nos parece tão pouco, tão sem sentido?

Royce acreditava que estamos todos em busca de fazer parte de algo maior. Todos ansiamos por fazer parte de algo que seja maior que nós mesmos, que nos faça sentir que fizemos alguma diferença no mundo. Para ele, essa é uma necessidade humana tão básica quanto comer ou dormir. Precisamos ter um motivo válido para viver: uma causa digna dos nossos sacrifícios e sofrimentos. Essa causa pode ser imensa, como atuar em projetos que façam deste mundo um lugar melhor, mas também pode ser pequena, como oferecer cuidado a um membro da família, ou mesmo a um animal de estimação. O importante é que, atribuindo valor à causa, damos sentido às nossas vidas.

O filósofo chamou essa dedicação a uma causa além de nós mesmos de LEALDADE. Ela seria exatamente o oposto do individualismo. Os individualistas atuam de forma que todos os seus atos lhe tragam algum benefício, seja material, emocional ou de qualquer outra natureza. Para um individualista, não faz sentido se sacrificar pelo benefício de qualquer outra pessoa que não seja ele próprio. Para quem pratica a lealdade, o que não faz sentido é não ser útil a algo ou alguém. A lealdade defendida por Royce é algo tão necessário para uma vida significativa que, sem ela, a morte se torna algo absolutamente sem sentido e, portanto, aterrador. Seres humanos precisam de lealdade. Ela não produz, necessariamente, a felicidade, e pode até mesmo ser dolorosa, mas todos precisamos de algo a que nos dedicar além de nós mesmos para que nossas vidas tenham sentido.

É preciso abraçar uma causa. A causa pode ter a ver com você mesmo, com atitudes que irão repercutir positivamente na vida de outras pessoas. Vejamos alguém alvo de uma perseguição implacável, perseguida por pessoas más que querem deliberadamente lhes fazer o mal e intimidam aquelas que querem lhes fazer o bem. Para o filósofo, esta situação faz muitos sucumbirem, não suportam o nível de perseguição e força-os antecipar suas existências, como o caso emblemático do reitor da UFSC, Luis Carlos Concellier, que deixou um frio e realístico bilhete: “eu decretei minha morte no dia que fui preso injustamente”. Para outros, o efeito é o contrário, gera a oportunidade de abraçar a honorável causa de combate às injustiças, de resistência aos justiceiros plantonistas, incansavelmente lutando para desmascarar os lobos em pele de cordeiros; a hipocrisia, a mesquinhez, a falsidade e o oportunismo em seus comportamentos, atributos típicos das suas personalidades.

Abraçar a causa de lutar contra injustiças e perseguições alimenta sua indignação e o faz arrancar forças do profundo das suas entranhas sob a seguinte percepção: “apreensão não faz o amanhã ser fácil, só torna o hoje triste”.

Você morrerá um dia, é fato, mas até lá agarre-se a uma causa e lute por ela.

   

 

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