opinião

O CAFUÇU

11 de fevereiro de 2024

 

Por GILBERTO CARNEIRO

 

O CARNAVAL é uma festa criativa, lúdica, jocosa, divertida, espirituosa, rebelde e subversiva. Você pode até não gostar de carnaval, mas inevitável reconhecer o espírito irreverente e revolucionário das festas momescas, seja pelas fantasias, adereços, plaquinhas, ou mesmo, pelo próprio comportamento extrovertido e atípico dos foliões, embalados pelos ritmos do samba, do maracatu, do frevo e do axé.

Por que o carnaval tem esse aspecto de liberdade extrema? Há uma explicação histórica. A humanidade sempre teve o seu lado subversivo. Que o digam os romanos, os gregos, os babilônicos. E foi na Mesopotâmia onde possivelmente originou-se o que conhecemos como Carnaval. As Sacéias eram uma celebração em que um prisioneiro assumia, durante alguns dias, a figura do rei, vestindo-se como ele, alimentando-se da mesma forma e dormindo com suas esposas. Ao final, o prisioneiro era chicoteado e depois enforcado ou empalado. No equinócio da primavera um outro ritual ocorria no templo de Marduk, onde o rei perdia seus emblemas de poder e era surrado na frente da estátua de um dos primeiros Deuses mesopotâmicos. Essa humilhação servia para demonstrar a submissão do rei à divindade. Em seguida, ele novamente assumia o trono.

Logo, o que havia de comum nos dois rituais era o caráter de subversão de papéis sociais: a transformação temporária do prisioneiro em rei e a humilhação do rei frente ao seu deus. Possivelmente a subversão de papéis sociais no Carnaval, como os homens vestirem-se de mulheres e outras práticas semelhantes, é associável a essa tradição mesopotâmica. O lado promíscuo do Carnaval pode ainda relacionar-se com as festas de origem greco-romana, como os bacanais, as festas dionisíacas, marcados pela embriaguez e pela entrega aos prazeres da carne.

No entanto, a Igreja, com o fortalecimento de seu poder, não via com bons olhos essas celebrações nas quais as pessoas entregavam-se aos prazeres mundanos. Nessa concepção do cristianismo, havia a crítica da inversão das posições sociais, pois, para a Igreja, ao inverter os papéis de cada um na sociedade, invertia-se também a relação entre Deus e o demônio. A Igreja Católica, então, não conseguindo proibi-las, por ser extremamente populares, procurou ressignificá-las dando-lhes um senso mais cristão. Durante a Alta Idade Média, foi criada a Quaresma, período de 40 dias antes da Páscoa, caracterizado pelo jejum e privação. Tempos depois, as festividades realizadas pelo povo foram concentradas nesse período e nomeadas carnis levale, que quer dizer Carnaval.

No Brasil a história do carnaval iniciou-se no período colonial. Uma das primeiras manifestações carnavalescas foi o entrudo, uma brincadeira de origem portuguesa que, na colônia, era praticada pelos escravos. Nela, as pessoas saíam às ruas sujando umas às outras jogando lama, farinha e ovos. Era a oportunidade que os escravos tinham de vingar-se dos “brancos” sem serem punidos.

 

Mas o melhor texto que li sobre a magia do carnaval foi de Miguel LUCENA, irmão do meu amigo Tião. Intitulado “A Obrigação de fingir alegria” a crônica de Miguezin menciona Paulo Prado em seu clássico “Retrato do Brasil” e evidencia que: “em uma terra radiosa vive um povo triste”. O carnaval, então, funciona para o povo como um anestésico permitindo que, por alguns dias, embevecido pela magia das festas momescas, esqueça o desemprego, a mesa vazia, as incertezas sobre a sobrevivência digna, as decepções, os enganos e as tristezas de uma vida dura, marcada pela luta pela sobrevivência em um mundo cruel, regido pelas desigualdades sociais.

 

As pessoas extravasam suas alegrias no carnaval para esconder suas tristezas, afinal os excessos e o que os puritanos chamam de libertinagens e indecências são, na realidade, irreverências usadas como mecanismos para compensar a dureza da vida; até porque, assim se espera, Cristo as perdoará no jejum quaresmal.

 

Mas bloco de carnaval algum conseguiu interpretar tão bem essa amálgama entre Cristianismo e Carnaval do que o bloco CAFUCU. Ah! o Cafuçu, enquanto todos os blocos concentram-se na orla, o Cafuçu mantém sua irreverência e a tradição de realizar sua festa no Centro Histórico, em frente ao Palácio do Bispo e da Igreja Nossa Senhora do Carmo, fundada pelos Carmelitas. E o folião ainda tem a opção de acompanhar a passagem dos bloquinhos de frevo na Varanda do Café Bistrô 17, sob a imponência e a proteção da Catedral de Nossa Senhora das Neves.

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