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Quero meu passado de volta

23 de fevereiro de 2024

Andei por aí pelo centro da cidade de onde me afastei faz tempo para fugir das lembranças que trazem saudade. Hoje fui ver de perto os pastos dos meus passos antigos e confesso que senti no peito um vazio que não imaginava ter condições de armazenar.

Não tinha mais a Clínica de Carneiro Arnaud. O prédio restou em ruinas e na calçada homens esqueléticos pela ação da fome, da cachaça e das drogas, faziam ponto à cata de tostões.

Mais na frente estava o prédio da Associação dos Transportes Coletivos, ainda majestoso mas sem graça. Mário Tourinho se foi e sem Mário Tourinho aquilo é apenas um sombra.

Corri ao Bar da API. Não tem mais bar. Um restaurante barato, que cobra pelos dois pedaços de carne, tomou o lugar do bar que Moura fez enorme no tempo que espalhava seu sorriso pelas mesas sempre cheias de notívagos, mesmo sabendo que metade dos que ali estavam bebiam fiado e esqueciam de pagar.

A própria API, de tantos debates e lutas democráticas, apareceu aos meus olhos apenas como a sombra que se apaga com o passar do tempo. A moça que nos atendia com o sorriso simpático das atendentes ainda estava lá, mas não era mais moça, envelheceu, ficou magra, das antigas feições quase nada restou.

Do outro lado da rua procurei a Cantina de Camões, local escolhido por Jackson Bandeira para degustar a língua ao molho de madeira que Camões preparava com uma receita guardada a sete chaves.

A cantina fechou, taparam portas e janelas com cimento e tijolos. O próprio Camões encantou-se, pulou do último andar do prédio do INSS e sumiu para nunca mais voltar.

Cadê o Café São Braz que nos acolhia para o cafezinho de fim de tarde e para os papos com sabor de quero mais? Agora é loja, loja sem gente. O Ponto de Cem Réis mudou pra pior, não tem mais a lanchonete de Zezinho, a sopa de Evilásio, a Cherry que vendia sapatos e sandálias, a Le Mans dos Gomes de Lima, a Padre Zé de Josélio, as Nações Majestosas Unidas, não sobrou pedra sobre pedra. Nuns bancos mal-cuidados dava para ver meia dúzia de bêbados, outro tanto de drogados e um travesti consolando um ébrio com promessas de amor.

Mas o que marcou definitivamente a minha visita foi a imagem do grande benfeitor do local, ex-prefeito Damásio Franca, jogado num túnel com cara de cemitério e sem merecer os cuidados que a sua história estaria a exigir. Em vez de “Túnel Damásio Franca”, o letreiro, depredado, faltando letras, dizia “…ú..el Damásio Fra…ca”

Não foi sem razão que o confrade Pedro Macedo Marinho fotografou a imagem e a publicou nas redes sociais com uma pergunta: “Alguém me diga para que serve uma homenagem dessa”.

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5 Comentários

  • Reply Pedro Macedo Marinho 23 de fevereiro de 2024 at 11:13

    Caro Tiao boce faz uma descrição perfeita daquilo que outrora foi o nosso centro da capital. Hoje pouca coisa restou e se verifica um local sujo e mal cuidado como se verifica no próprio letreiro, com o nome do grande Prefeito Damásio Francoa, que se encontra assim incompleto já há alguns anos. A estátua de Livardo Alves também se encontrava aos pedaços e há alguns meses foi retirada, e ninguém sabe sequer se voltará, o mesmo a acontecendo com a estátua de Jackson do Pandeiro levada por operários da Prefeitura. Aguardemos.

  • Reply Pedro Macedo Marinho 23 de fevereiro de 2024 at 11:15

    Caro Tiao , voce faz uma descrição perfeita daquilo que outrora foi o nosso centro da capital. Hoje pouca coisa restou e se verifica um local sujo e mal cuidado como se ver no próprio letreiro, com o nome do grande Prefeito Damásio Francoa, que se encontra assim incompleto já há alguns anos. A estátua de Livardo Alves também se encontrava aos pedaços e há alguns meses foi retirada, e ninguém sabe sequer se voltará, o mesmo a acontecendo com a estátua de Jackson do Pandeiro levada por operários da Prefeitura. Aguardemos.

  • Reply Sebastião Gerbase 23 de fevereiro de 2024 at 15:24

    E viva a política, para que o político vivo continui cada vez mais vivo, e o resto que se esploda!

  • Reply José Tarcízio Fernandes 23 de fevereiro de 2024 at 17:20

    Tião Lucena, dói no coração o retrato do Ponto de Cem Réis e adjacências que você traz aos olhos de quem guarda na memória – e no coração – toda essa parte privilegiada de João Pessoa das décadas de 1960, 1970 e 1980. Principalmente nossa API, tão efervescente de encontros de jornalistas, entrevistas de renomadas figuras do mundo político-cultural da Paraíba, do Brasil e do exterior; bem como de sessões para debates dos problemas nacionais e internacionais, em especial, durante as gestões de Adalberto Barreto, como presidente.

  • Reply GUEDES 23 de fevereiro de 2024 at 17:59

    Foram demolidos os pavilhões dos sapateiros e o outro onde funcionava a lanchonete de seu Madruga. O obelisco com o relógio no centro, circundado pela praça dos táxis, também sumiu. Acabaram com o logradouro mais bonito, o marco zero da Capital Paraibana.

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