opinião

Rastro suspeito

14 de setembro de 2019

Maria Rosa estava se pondo moça, “pronta para o abate” como proclamavam as suas companheiras de quarto e, iguais a ela, compradas pelo coronel Osmundo Ferreira para futuras elocubrações sexuais. De fato, nem parecia aquela menina magra, sem sangue, pernas de cambitos e olhar de fome vendida pelos pais na seca de 60 ao coronel Osmundo Ferreira, um bicho bruto cheio de terras e dinheiro, que mandava e desmandava em todo o Pajeú.

Dinheiro e poder herdados de Terezinha, uma moça velha que contraiu matrimônio com o então jovem e fogoso Osmundo somente para fugir do caritó. Só restava o caco da velha, mas o coronel-título comprado diretamente na guarda nacional do Rio de Janeiro – parecia não sentir a passagem dos anos. “É cabaço de virgem”, alardeava como sendo o remédio milagroso para manter o homem sempre jovem, viril e fogoso.

Quando botou os olhos na menina que o casal de flagelados da seca oferecia para conseguir comida para o resto da filharada, Osmundo não acreditou que dali saísse coisa de futuro. Mas cabaço é cabaço e como a safra de virgens andava escassa em todo o Pajeú, decidiu arriscar pra ver se dava certo. Botou a menina na cozinha, recomendou zelo, boa comida e cuidados, pois ali estava um investimento merecedor de retorno.

E deu certo. Maria Rosa desabrochou, virou objeto de cobiça, falação, por onde passava era olhada pela macharia, que embora disfarçando para não contrariar o coronel, se deslumbrava com os requebros de sua bunda redonda e dos seus peitos de bicos finos, querendo escapar da blusa de chita.

Alcindo, vaqueiro, moço branco, amansador de burro brabo, dançarino de gafieira, tocador de violão, bebedor de cachaça e valente, também se engraçou com Maria Rosa e caiu nas graças dela. Os dois passaram a se olhar, a se prometer um para o outro em pensamento, mas aí a paixão foi crescendo, foi aumentando e chegou um momento que não dava mais para esconder. Ele a abordou no meio da rua, chega a moça ficou branca de medo. E disse que se ela topasse, os dois fugiriam para longe dali e se casariam, e seriam felizes, e teriam filhos e o coronel que se lascasse.

Maria Rosa correu com medo, mas o medo depois se transformou em coragem, até que mandou dizer ao moço que aceitava a proposta. Aproveitaram uma viagem de dois dias do coronel a Afogados da Ingazeira, pegaram as trouxas e sumiram no oco do mundo.

Quando o coronel chegou e tomou ciência do ocorrido, juntou a cabroeira e determinou: -A moça vocês tragam, o cabra deixem ele morto, tragam só a rôla”. Acompanhando os cangaceiros, o coronel mandou um rastreador famoso do lugar, desses que descobrem até impressão digital de bode em cima de lagedo.

Três dias depois, os cabras, com o rasteador à frente, voltaram de mãos abanando. E antes que o coronel explodisse, o rastreador se explicou:

-Quando chegamos no leito seco do Rio Pajeú encontramos um rastro muito sério, que tira o valor da finalidade para a qual o senhor queria a moça.”

-Que diabos de rastro foi esse? -, gritou o coronel fumaçando de raiva.

E o rastreador:

-Foi o rastro de uma bunda, umas costas, dois cotovelos e um cocó.”

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1 Comentário

  • Reply DAS DORES BATE ESTACA 14 de setembro de 2019 at 10:34

    E tome “cangaia” no valente coroné Imundo Ferreira !!!!

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