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Ah, se sêsse!

26 de abril de 2018

“… e na madrugada fria/tudo é melancolia/sonho meu…”. Dona Ivone Lara escreveu esta música só pra mim.Vem dos antanhos, do Cancão de priscas eras. “Sonho meu/sonho meu/vai buscar quem mora longe/sonho meu”. Nesse tempo a mocidade vivia de roedeira. Roía pela namorada distante, pelos chifres eternos, pelos amores perdidos e jamais reconquistados. Era bom roer, pretexto para encher a cara e sair pelas ruas desertas cantando em serenatas.

O tempo passou. O sonho agora é mais ameno, não traz consigo o impacto da emoção juvenil. Agora só resta o direito de lembrar

Os amigos que se foram, os que morreram, as namoradinhas hoje transformadas em respeitáveis senhoras, mães, avós, bisavós, finadas.

Ainda ontem encontrei uma pessoa do passado. Ela me olhou, eu olhei pra ela,ficamos nos reconhecendo, até que ela, com cara de choro, desabafou:

-Não sabe mais quem sou.

O seu desabafo salvou meu vexame, pois a voz continuava a mesma:

-Fulana.

Ah que sorriso aberto, largo! Ela remoçou. E elogiou minha “juventude”.

-Você está bem demais, não mudou quase nada.

Eu quase nada acreditei.

Bondade em excesso não convence, parece galhofa.

Ela mudou muito. Não é nem o retrato opaco do que fora um dia.

Eu também mudei. Muito. Vejo as fotografias. O contorno dos lábios, as papadas, os cabelos de outras cores, tudo isso denota a mudança.

Mas eu também menti pra ela.

– Você continua do mesmo jeito”.

Ah se sêsse!

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1 Comentário

  • Reply Moab Leite Advínula 26 de abril de 2018 at 10:12

    Certíssimo Bastião, Fiz uma regressão de dores e prazeres. Grande abraço meu amigo.

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