E AINDA LIMPOU A FACA
Nena não era bonita, mas tinha o que os homens gostavam: muita carne. As pernas de Nena, apesar de tortas, eram torneadas e cheias, os mocotós chamavam a atenção pela formosura e as coxas, então, apesar de escondidas sob a diminuta saia, levavam muitos adolescentes ao internamento hospitalar pelo excesso de pecados.
Morava em rua de pobre, de gente humilde, casa de três vãos, sala, cozinha e quarto, que dividia com a mãe Maria e com o padrasto Benedito. Mas julgava-se rica, tanto era assim que não dispensava a menor atenção aos rapazes da vizinhança. Ao contrário, aos galanteios respondia com ar de desprezo, frases de nem te ligo.
– Tanta carne e meu urubu com fome! – disse-lhe Severino à sua passagem.
– Coma merda! -, foi a resposta de Nena.
Os moços bem-nascidos e bem-criados notaram sua existência e partiram para a guerra. E ela deu a todos.
Começou dando por amor, acostumou-se e passou a cobrar pelas dádivas. Virou quenga, quenga chique que só aceitava rola de rico, de quem podia pagar.
E como quenga chique, não foi obrigada a morar no cabaré, desaguadouro de todas as mocinhas desencaminhadas nas periferias da cidade.
Quando avistava Toinha Baú, Lurdes Branca, Pipoca, Rita Quarto de Bode, Rosa Caracaxá, Bola, Lindalva, Zulmira e Palmira, Expedita de Aberbal e Pixuita, as rainhas do Cabaré de Estrela, cortava caminho, virava o rosto, fingia não conhecer. Eram putas de bolo doce, de bacia e sabão patativa, de colchão duro, de piso de chão. Ela, ao contrário, vestia-se como dama, como mulher importante que só dava o xibiu a quem podia pagar bem.
Até que apareceu Antônio.
Já perto dos 60, casado e pai de uma enfieira de filhos, Antônio tinha fama de raparigueiro.
E uma rapariga a mais na sua coleção de conquistas seria um bom prêmio naquela altura da vida.
Foi assim que cercou Nena de elogios, de promessas doces, de juras para a eternidade. Até casa prometeu, casa boa, encimentada, com banheiro para tomar banho e descarga de água para enterrar as seboseiras.
Nena se deixou seduzir. Foi morar com Antônio. E Antônio, apaixonado, virou homem ciumento. Começou a vigiar a mulher, a impor restrições, a proibir saídas na sua ausência, nem com os vizinhos podia conversar, trocar bom dia, boa tarde ou boa noite.
A vida prometida não chegou. E Nena, que continuava rebelde, abandonou Antônio.
Voltou para a casa da mãe, nem a chave da casa devolveu, deixou-a na porta para ele dela fazer o uso que lhe aprouvesse.
O velho enamorado perdeu a esportiva, a estribeira.
E foi buscar Nena na marra.
Com ela voltaria de qualquer jeito.
– Vamos para casa, Nena!
– Minha casa é aqui, pode voltar por onde veio -, respondeu de nariz arrebitado.
Antônio deu a primeira peixeirada no vão do pescoço. A segunda atingiu o peito. Nena caiu devagarinho sobre a calçada. Os olhos sem vida ficaram a mirar a rua que a viu menina a correr de pés descalços.
Antônio ainda limpou a faca.
NIVER DE ABELARDO
Abelardo festejou intensamente os seus 70 anos. E fez o certo. Não é todo dia que a gente chega a essa idade esbanjando saúde e vontade de viver. Eu cheguei primeiro, aliás nós, eu e Chico Pinto. Mas agora estamos juntos, juntos e misturados, carregando no íntimo uma sensação de juventude que pensávamos não existir.
Claro, a energia já não é a mesma, não se brinca mais de marido e mulher com a facilidade de antanho, mas a ciência cuida disso, quem sente falta vai na farmácia e pede socorro.
Que seja bem-vindo e juntos festejemos a chegada dos 80.
ENCONTRO PARA APRENDER
Todos os sábados eles se encontram para um cafezinho e uma conversa boa. E neste não foi diferente. O mestre Gonzaga está aí, reunido com Antonio David, José Nunes e Paulo Emanuel.
No próximo sábado eu vou.
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