DOMINGO NA PRAIA

Foto de Hans Von Manteuffel
O domingo era bom quando as crianças ainda eram crianças e eu as levava para tomar banho de mar.
Tempos bicudos, da viagem de ônibus, das moedas contadas, da panela com farofa e galinha porque não sobrava nada para o restaurante.
Mas a gente era feliz.
Armava as cadeiras na areia, os meninos construíam piscinas e deitavam na água até que as ondas iam e vinham desmanchando tudo e eles reconstruindo.
Uma garrafinha de cachaça para animar o ambiente, uma coxa de galinha para tirar o gosto, o mundo inteiro aos nossos pés, a vida inteira pela frente, o homem que passava batendo o triângulo e anunciando o cavaco chinês, aquele outro vendendo bronzeador, a praia era o retrato da democracia juntando pobres e ricos, pretos e brancos, mulheres de rezas e mulheres de pecados.
Fiquei sabendo que privatizaram a praia, quem chega lá é intimado a pagar pela cadeira, pelo guarda-sol, pessoas vendem lagostas e camarões em bandejas, não tem mais farofa, os farofeiros sumiram.
ANO VELHO, ANO NOVO
O ano novo chegava com todo mundo dormindo na casinha humilde que nos abrigava no Cancão da minha infância. Logo cedo o velho Miguel descia a ladeira do bairro em demanda da Rua Grande, ia comprar o bolo de Cecília Mundaú. Comprava, voltava e já encontrava o café quentinho de dona Emília, e a meninada ao redor da mesa.
Todos comiam o bolo, bebiam o café preto e iam dormir.
Lá na rua, ao pé da igreja, Tozinho soltava balões que singravam os céus de Princesa, enquanto os foguetões de Pedro Fogueteiro os perseguiam no espaço.
Tinha um pastoril comandado pelo vigário que servia para arrecadar os numerários gastos na construção da igreja nova.
E os namoros nos escondidos da Lagoa anunciavam novos habitantes na terrinha para dali a nove meses.
O tempo passou, Seu Miguel se foi, Dona Emília também, Seu Cabral passou a comandar a festa, a casinha do Ernani Sátyro se enchia de gente na véspera do ano novo para comer churrasco e esperar o momento em que o ano findava e Cabral pronunciava seu discurso cheio de eloquência, que sempre terminava com a frase que virou lenda:
“Mais um ano se passou e eu não queimei o fuzi!”
O “fuzi” de Cabral queimou faz tempo, a casinha do Ernany foi vendida aos evangélicos, virou igreja, os meninos cresceram, tomaram seus rumos, hoje festejam o ano novo em novos espaços.
Restamos nós, eu e minha velha, nossos “fuzis” ainda não queimaram. Por enquanto.




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