opinião

O SANGUE DOS INOCENTES

29 de outubro de 2023

Por GILBERTO CARNEIRO

TONHO é um jovem de vinte anos de idade, filho do meio de uma família pobre de sertanejos nordestinos, a família Breves. Tonho é o próximo membro dos Breves que deve matar e depois morrer em uma rixa de sangue contra um clã de uma família rival, os Ferreiras, a qual disputam terras com os Breves por várias gerações. As duas famílias encontram-se sofrendo corriqueiramente uma série de assassinatos de seus membros, olho por olho, dente por dente. Embutido nessa coreografia da morte está um código de ética específico: “O sangue tem o mesmo volume para todos. Você não tem o direito de tirar mais sangue do que o que foi tirado de você“.

A vida em meio a vastidão do sertão está impregnada de uma sensação de futilidade e desespero estóico”. Tonho vive atualmente uma grande dúvida, pois ao mesmo tempo que é impelido por seu pai para vingar a morte de seu irmão mais velho, assassinado por uma família rival, sabe que caso se vingue será perseguido e terá pouco tempo de vida. Angustiado pela perspectiva da morte, Tonho passa então a questionar a lógica da violência e da tradição.

A narrativa acima é o enredo do filme “Abril Despedaçado”, um filme suíçofrancobrasileiro do ano de 2001, dirigido por Walter Salles e baseado no romance de Ismail Kadare, um dos melhores filmes brasileiros que tive oportunidade de assistir e que foi responsável por projetar para o cinema de Hollywood o ator Rodrigo Santoro.

O filme tem como ponto central a vingança que, por sua vez, traz como pano de fundo, os conflitos pela posse da terra no sertão nordestino. Neste aspecto as semelhanças com os conflitos atuais no Oriente Médio são inevitáveis, e mesmo ojerizando qualquer comportamento de cunho vingativo, muitos defendem que o direito de defesa de Israel pelos ataques terroristas executados pelo Hamas a uma festa em território israelense deveria levar em consideração essa máxima do enredo do filme: “O sangue tem o mesmo volume para todos. Você não tem o direito de tirar mais sangue do que o que foi tirado de você”.

O play da nova fase desta rixa interminável é um atentado a uma festa rave em território israelense provocando ao menos 260 mortes. Em resposta, as forças do exército israelense lançaram uma ofensiva aérea e terrestre contra a Faixa de Gaza, um enclave empobrecido e superpopuloso com 2.5 milhões de palestinos ao sul de Israel e controlado pelo Hamas desde 2007.

A guerra em curso provocada pelo Hamas, até agora soma 8 mil 546 palestinos e 1.500 judeus mortos, fora os estrangeiros. Sob o ponto de vista da legítima defesa do Estado de Israel a responsabilidade pela morte de mais de oito mil palestinos, entre eles crianças e idosos, constitui-se numa espécie de “exercício arbitrário das próprias razões ou uso imoderado dos meios”, ao utilizar métodos de cunho mais cruel do que os praticados pelo Hamas, quando bombardeia sem titubear hospitais públicos e áreas de civis palestinos.

Sob a ótica do filme “Abril Despedaçado”, Israel está cometendo um crime de guerra, descumprindo uma regra consuetudinária praticada entre as famílias rivais de que: “O sangue tem o mesmo volume para todos. Você não tem o direito de tirar mais sangue do que o que foi tirado de você”.

Mais do que isso, judeus e palestinos precisam começar a pensar e agir como “TONHO”, quando angustiado pela perspectiva da morte, passa então a questionar a lógica da violência e da tradição, fugindo do seu destino macabro de matar e morrer tão somente por ausência de afeto ou afeição, mesmo que o pano de fundo seja questões religiosas e territoriais.

 

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2 Comentários

  • Reply PASCOAL TEIXEIRA GAMA 30 de outubro de 2023 at 07:41

    Excelente analogia…De fato, Israel, pratica mais uma vingança contra o povo palestino e não contra o Hamas..

  • Reply VALDICE TEIXEIRA DA GAMA 31 de outubro de 2023 at 08:03

    Ótima analise! Faz pensar o quanto o homem, ser inteligente e civilizado, ainda deixa se mover rasteiramente😢

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