Diário da Covid

Diário da Covid 1

23 de fevereiro de 2021

Está para fazer um ano que eu, a mulher e um dos filhos estamos no isolamento. O medo da Covid só aumenta e a solidão cresce com a desesperança de ver tudo isso acabar. Os outros filhos estão nas suas casas, deles sabemos pelas ligações telefônicas e pelos vídeos. Tememos por eles, por nós e pelos poucos vizinhos que se esconderam como nós na zona rural de Bananeiras.

Chã do Lindolfo é um povoado ligado à cidade pelos condomínios que invadiram o município. O meu é modesto, tem o nome do convento das freiras, Monte Carmelo, com 60 lotes de terrenos, umas 15 casas construídas. Quando queremos alguma coisa, apelamos para Seu Macaxeira, uma espécie de motoboy/comerciante. Ele diz que tem um mercadinho nas cercanias da Estação e percorre as feiras, supermercados e farmácias comprando as encomendas dos clientes.

Além dele, contamos com Seu Novinho da Galinha. Sua galinha de capoeira é da legítima, criada com ração do sertão. Ele a entrega morta e tratada, faltando apenas o tempero da panela e o preparo para a comida.

Tem mais gente. Seu Gildo, o faz tudo, pedreiro, carpinteiro, encanador, dia desses chegou aqui em casa com um quilo de piabas frescas compradas na feira livre de Solânea.

Imaginem o banquete. A piaba frita, crocante, é mais gostosa do que lagosta ou camarão. Não deu pra quem quis.

Seu Dário é eletricista. Gosta de beber umas rainhas nas horas de folga, mas nunca levou um choque na vida. Sobe nos postes, puxa os fios, troca as lâmpadas, descobre segredos e para tudo tem uma solução. Mas não abre mão, ao fim do expediente, do terceiro turno no restaurante/bar de Dona Beta, onde divide mesa com Maguila, o cajazeirense que aportou em Bananeiras para estudar e em Bananeiras ficou depois de conhecer o amor da sua vida.

A alegria de Edjalmes é uma atração a parte. Seus causos matam de rir quem os escuta. Tem aquele do caminhão que ele conduzia de Natal para a Paraíba e que foi parado no posto rodoviário. Sem ter documentos a apresentar, o condutor se valeu da dor de barriga e do incenso postado no único banheiro do lugar. Foi seu passaporte para a liberdade. “Saia daqui antes que lhe prenda”, intimou o policial. E Edjalmes, obediente, partiu para a Paraíba, certo do dever cumprido.

Nesse tempo de restrições as visitas quase não existem. Ficamos de longe a observar a paisagem e a ver os caga sebos devorarem as borboletas tontas pelas noites insones.

À noite dá pra escutar na mata aqui do lado o grito da raposa, o piado do bacurau e o apelo da coruja.

Antes, quando tudo era normal, as raposas costumavam sair da mata para caçar comida nas lixeiras. Elas também se esconderam.

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