Diário da Covid

Diário da Covid – VI

13 de março de 2021

Aqui trancado, vendo a vida correr lá fora, fico a perguntar até quando. Não tem prazo, não existe data estipulada. Um desconhecido nos amofinou entre quatro paredes e está esperando, com a boca escancarada, para dar o bote.

Já bebi o quanto pude, li até ficar de saco cheio, mas de repente a inércia me abraçou e não me deixa fazer outra coisa que não seja ver pela janela o tempo passar lá fora.

Inveja eu sinto do passarinho que voa rasante por entre a cumeeira daqui de casa e se perde no mato lá na frente.

Ele não pega o vírus, é pequeno demais para a gulodice desse bicho de apetite voraz e interminável.

Um bicho que, além de guloso, é poderoso. Não respeita ninguém. Nem as potências ditas grandes.

Os Estados Unidos já deram 500 vidas para o tinhoso. E ele insiste em comer mais, em mais abocanhar.

Falam em variantes. O Brasil fabricou a dele. Dizem que é mais poderosa do que as variantes estrangeiras, contamina mais, fulmina mais, não respeita sexo, cor, raça ou idade. Nem as crianças estão salvas das suas garras.

Divago.

Sinto saudades das pequenas coisas que eu fazia e que, por serem pequenas, não faziam falta.

E o que dizer das noites!

Elas ficaram mais longas. A gente dorme, sonha, tem pesadelos e quando acorda o relógio ainda não deu as doze badaladas. E chega a madrugada com seus fantasmas, seus piados, suas almas penadas, seu silêncio. E no silêncio da madrugada, um mundo de pensamentos, de incertezas, de dúvidas.

Dia desses me peguei contando nos dedos os amigos que perdi.

Não foram poucos.

Amigos velhos e velhos amigos transformados em avisos de missas de sétimo dia, em estatísticas de obituários.

O difícil, agora, é saber quem ainda está por aqui.

Mas a falta mais doída é a do sorriso dos netos, alvos da nossa corujice.

E a dúvida:

Será que, quando nos for dada a permissão do reencontro, eles nos reconhecerão?

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2 Comentários

  • Reply ivana 13 de março de 2021 at 19:24

    Também sinto tudo isso relatado por vc.
    Mas temos que ser gratos.
    Gratos por ser possível ficarmos em casa e não nos arriscar tanto.
    Muitas vidas perdidas, muito choro, muito lamento.
    Resta a esperança. Como diz uma amiga: a esperança alimenta a alma

  • Reply Delfos 14 de março de 2021 at 05:28

    Agradeça por ainda poder olhar a
    vida oela janela. Miais de 275 mil
    já perderam este privilégio.
    Mais de 275 mil já não podem ver
    os rostos dos entes queridos pela
    tela de um computador, não podem
    mais ouvir as suas vozes, e nunca
    verão os seus sorrisos.
    Para os que perderam um ente
    querido, as tuas queixas podem
    parecer uma demonstração de
    extremo egoísmo.
    Achas mesmo que a tua vida está
    arruinada, que perdeu todo o
    sentido?
    Pois eu te digo: não tens idéia do
    que é o vazio, a solidão, a saudade,
    causada por este vírus.
    Enquanto tú que podes agradecer, reclamas, muitos choram, calados.
    Com a voz embargada pela falta
    de um último adeus, de um último
    abraço, de um último beijo.
    Então, agradeça por não precisares
    chorar!

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